Um novo orçamento para uma União que tem problemas velhos

A menos de um ano do "Brexit", a UE discute um plano orçamental polémico e tem de lidar com várias frentes populistas. O programa Fronteiras XXI, na RTP3, vai hoje discutir o futuro da União.

O Reino Unido vai abandonar a União Europeia a 30 de Março e logo a seguir são as eleições para o Parlamento Europeu. É sobre este cenário que a União prepara o futuro, cujos passos mais imediatos estão intimamente ligados ao orçamento europeu.

O Comissário Günther Oettinger apresentou os detalhes do enquadramento orçamental para o período 2021-27, conhecido pela sigla MFF (Multiannual Financial Framework). E é aí que se podem encontrar os primeiros sinais daquilo que a União quer ser na terceira década do século XXI.

O primeiro sinal tem, de resto, marca portuguesa. A alínea orçamental para a Inovação, Investigação e Ciência ganhou um aumento de 30% para chegar à marca dos 100 mil milhões de euros – confirmando que a tecnologia desempenhará o papel central na União política do futuro.

É uma conquista política importante de Moedas, que contou com os dois melhores apoios com que poderia sonhar: de um lado Macron, que acredita na importância das forças de mudanças tecnológicas; do outro Merkel, que sempre defendeu a ciência fundamental como uma das faces a investir na UE.

E esta aposta política (porque o orçamento tem sempre a marca da política) surge num momento estratégico, porque os líderes europeus sabem bem que perderam a guerra da próxima revolução industrial: as grandes companhias que dominam a inteligência artificial são ou americanas ou chinesas, o que condenará sempre a Europa a um cenário de retaguarda. Pelo que neste momento importa conquistar posições na investigação fundamental, apostar em nichos determinantes (energia, saúde, exploração espacial) e contar com o cenário regulatório para adaptar a tecnologia estrangeira aos valores europeus.

Mas aumentar o orçamento e fortalecer investimentos quando há menos um contribuinte líquido implica escolhas. E com elas vêm duas reduções polémicas na proposta de orçamento, que darão grande discussão: a PAC continua a estratégia descendente em termos de peso orçamental e deve neste novo cenário ficar abaixo dos 40%, o que deverá prejudicar mais os grandes proprietários; a outra alínea a perder peso é o fundo de coesão, que tem ajudado a União a reduzir assimetrias e funciona literalmente como mecanismo de aprofundamento da União – aqui a redução é ainda maior, de 7% e tem forte contestação de vários países e do Parlamento Europeu.

Mesmo assim, não chega e a União precisa de ir em busca de novas fontes de financiamento. Oettinger já propôs um novo imposto sobe os plásticos e cada vez mais se fala em formas de taxar as empresas que aplicam tecnologias disruptivas, o que iria castigar ainda mais as gigantes americanas conhecidas pelo acrónimo GAFA (Google, Amazon, Facebook e Apple).

E tudo isto decorre tendo em plano de fundo a corrida aos postos da nova Comissão. Juncker não se recandidata e até agora o nome mais falado é o de Margrethe Verstager, a super-comissária dinamarquesa que tem aplicado as leis da concorrência de forma férrea e já conquistou respeito mundial – mas cujas ligações aos fracos liberais a afastam teoricamente do posto.

Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês que fica sozinho no clube dos eurocépticos, agora que os ingleses saem, muito gostaria de ser presidente do Conselho, sucedendo a Donald Tusk, mas sem hipóteses de ser tão consensual como o polaco. E tudo isto sob a égide de uma proposta de reforma arrojada de Juncker em reduzir cargos e concentrar poderes no topo da União.

Mas a maior ameaça de todas consistirá nos populismos que continuam motivar ondas anti-europeístas. Há uma tentativa cada vez mais assumida de só libertar fundos europeus para os países que mantenham o primado da lei, tentativa essa que tem por alvos a Polónia e a Hungria, que se desviam cada vez mais do modelo de democracia representativa. Mas isso é um detalhe quando comparado com a possibilidade de um governo populista e anti-europeu na Itália, que pode fazer sucumbir todos os esforços de integração.

E falta ainda encarar o contexto externo, onde uma América cada vez mais nacionalista implicará que a União abra guerras no comércio e reforce as suas capacidades de defesa para um patamar menos que risível. Se surge um conflito global graças aos problemas no Irão, na Coreia do Norte ou no Médio Oriente, será preciso fazer escolhas desconfortáveis que a União não está preparada para fazer. E são estas duas ameaças, uma interna e outra externa, que podem fazer ruir tudo.

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