Homenagem ao reitor Raul Rosado Fernandes

Tive ocasião de estar com ele ao longo de vários anos e pude reconhecer a sua capacidade de olhar para o mundo que ia sendo o que era. A nós resta-nos honrá-lo com a dignidade que merece.

Vivemos muitos anos juntos. Conheci-o em 1972, quando ele regressou do estrangeiro e resolveu voltar ao convívio da Faculdade de Letras. Não o conhecia pessoalmente, mas, por pressentimento, intuí que era ele, embora no longo corredor do Instituto Clássico André de Resende, tornado Centro de Estudos Clássicos, ele entrasse em modo descontraído e sem alguém a abrir passos para ele chegar. Apresentei-me a ele, pois não fora seu aluno e passámos a ter uma convivência que nos havia de aproximar: havíamos combinado encontrar-nos no dia 25 de Abril de 1974, às 11h, para prepararmos o processo do meu doutoramento; os acontecimentos sobrepuseram-se, mas às 10h30 ele estava comigo a comentar o que era ainda uma incógnita: saímos em busca de um lugar para almoçarmos e tivemos a ousadia de nos aproximar do epicentro, que era o Carmo; impedidos de o fazermos, acompanhei-o a sua casa, onde passámos a tarde a seguir as poucas notícias que conseguíamos recolher.

Acompanhou-me sempre no percurso científico que me parecia adequado e tive a honra de estar presente nas provas universitárias a quem quis sujeitar-se (concurso para Professor Extraordinário e Professor Catedrático), viu-o depois assumir as funções de Reitor da Universidade de Lisboa, partilhei com ele as tarefas de que fui incumbido no lançamento de Mestrados na FLL e contei com o seu apoio efectivo e afectivo em momentos de hesitação e lançamento de iniciativas próprias.

Tive assim ocasião de estar com ele ao longo de vários anos e pude reconhecer a sua capacidade de olhar para o mundo que ia sendo o que era, sem deixar de fazer com que a Universidade se esquecesse do que devia procurar ser; não serei menos isento se disser que procurou restituir-lhe dignidade e identidade: exemplo expressivo disso foi a sessão magna em que foram atribuídos oito doutoramentos “honoris causa” a personalidades de diversas origens; deu brado a intervenção por chamada de atenção para quem tinha aderido a greve e não o tinha declarado; empenhou-se em fazer respeitar a disciplina escolar por parte de professores que não cumpriam as suas obrigações, ameaçando processar quem não se apresentasse a fazê-lo, a pretexto de saneamentos anteriores e funções assumidas noutras instituições; honrou as suas funções de professor, mesmo depois de assumir as funções de Reitor; disciplinou a própria administração universitária; pretendia abrir espaços de convívio para a comunidade universitária, mas o tempo a que tinha aceitado servir as funções de Reitor e os meios postos à sua disposição não eram extensivos aos desejos. 

Muitos devem lembrar-se da acção tida por Rosado Fernandes no Parlamento Europeu e a defesa por ele tomada quando foi acusado de intervir em causa própria. Reconheci-o nas suas qualidades de nobreza e de amizade indesmentida, sem favorecimentos, mas pugnando por quem tinha razão do seu lado. Outros argumentos deveria utilizar para comentar o seu percurso científico. Outros o poderão fazer, pois não faltam elementos para isso. A Academia das Ciências de Lisboa esperou que ele recuperasse dos acidentes de saúde de que foi vítima e tinha aprazado sessão para a entrega de diploma de Honra. Infelizmente, fomos surpreendidos pela Parca que lhe cortou o fio da vida. Que ela se continue; a nós resta-nos honrá-lo com a dignidade que merece.

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