Uma vergonha: o apagão do relatório dos incêndios

O Governo, em vez de guardar o relatório num cofre, procurou escondê-lo na arca do “segredo de justiça”. Eis uma atitude altamente condenável sobre o ponto de vista ético e político.

1. O Governo PS e o seu primeiro-ministro António Costa têm falhado clamorosamente na área da protecção civil, que o mesmo é dizer, da segurança dos cidadãos. A primeira tragédia dos incêndios, ocorrida a 17 de Junho, foi precedida de responsabilidades governamentais. Ninguém desvaloriza a excepcionalidade dos fenómenos climatéricos, os problemas estruturais da floresta portuguesa e ainda da demografia do interior. Mas é também evidente – basta ter presentes os vários relatórios independentes – que o Governo preparou mal a época dos fogos, fomentou a instabilidade das chefias na protecção civil, não foi capaz de ter uma resposta eficiente nas primeiras horas e até nos primeiros dias da ocorrência. Se isto já era muitíssimo grave em si e por si, muito mais grave se torna quando a tragédia se repete a 15 de Outubro. Depois de um verão inteiro em que não faltaram alertas nem avisos, em que o Presidente da República tudo fez para despertar o Governo para os riscos de repetição, António Costa fez orelhas moucas. Essa atitude de não reconhecimento da seriedade da situação e de insistência em soluções políticas, administrativas e logísticas que tinham fracassado, aponta inevitavelmente para uma responsabilidade político-administrativa pela tragédia de Outubro. Diante deste ponto de partida, já de si extremamente preocupante, o que fez, o que tem feito, o que faz o Governo?

2. A seguir a Outubro, a actuação imediata do Governo, absolutamente chocante, é a ocultação de um relatório de auditoria da Direcção Nacional de Auditoria e Fiscalização da Protecção Civil. Este relatório não se limita a verificar que houve falhas sérias na organização inicial de combate aos fogos. Não. Vai muito mais longe. Ele atesta o apagamento e a destruição de grande parte das provas que podiam mostrar aquelas falhas. O apagamento de todo o tipo de registos informáticos e a destruição física de documentos escritos é de uma gravidade sem paralelo. Diante da morte de dezenas e dezenas de pessoas, houve uma acção deliberada para apagar os registos que poderiam determinar responsabilidades. Esta actuação foi desenvolvida nas barbas do poder administrativo da ANPC e do poder político do Governo. Fosse a ANPC, fosse o Ministério da Administração Interna, ambos tinham a obrigação qualificada de, assim que eclodiu a tragédia, diligenciar no sentido de que nenhuma informação relevante fosse apagada ou sonegada. Não o fizeram, não foram capazes de o fazer. A passividade e complacência com que o MAI assistiu à sonegação de informação relevante para o apuramento de responsabilidades é da ordem do inqualificável. Os mortos e as vítimas em geral mereciam um acto módico de respeito e de consideração. Como é possível que, depois de tudo o que se havia passado em Junho, depois da quase duplicação do número de mortos em Outubro, alguém tenha podido apagar o rasto dos registos e dos documentos que permitiriam apurar a verdade? Como puderam a ANPC e o Governo frustrar a garantia de preservação das provas que permitiria reconstituir os factos e estabelecer a cadeia de responsabilidades? Haverá maior desrespeito pelas vítimas – e, em particular, pelas vítimas mortais e suas famílias – do que este descaso com que o vértice político e o vértice administrativo encararam uma tragédia desta grandeza?

3. Pior, pior ainda, porque nesta matéria parece sempre possível pior, é a ocultação do relatório. O relatório atestava a gravíssima sonegação de provas. Diante disto, esperar-se-ia que o Governo tornasse imediatamente público o resultado da auditoria interna. Como se impõe em qualquer inquérito público, tramitado na esfera administrativa e submetido ao princípio da transparência, o dito relatório deveria ter sido divulgado. E só depois, havendo substância para o efeito, ser enviado para as autoridades judiciárias de investigação. O Governo, tendo-se apercebido da gravidade extrema das respectivas conclusões, resolveu serodiamente tentar proteger-se. E que fez? Enviou o relatório ao Ministério Público para que o conteúdo deste pudesse ser posto ao abrigo do segredo de justiça e, dessa forma, não viesse a ser revelado. Eis uma actuação injustificável. O sentido e o propósito do relatório era fazer o apuramento de responsabilidades administrativas e, nessa medida, tinha de ser tornado público. Se, além dessas, intercedessem eventuais responsabilidades criminais, teria o mesmo de ser depois encaminhado para o Ministério Público. Ao fazer o curto circuito de remeter a dita auditoria directamente para a investigação criminal, o Governo quis ocultar deliberadamente aquela que seria a mais gravosa das acusações: houve quem destruísse provas e evidências para evitar a definição de responsabilidades. O Governo, em vez de guardar o relatório num cofre, procurou escondê-lo na arca do “segredo de justiça”. Eis uma atitude altamente condenável sobre o ponto de vista ético e político.

4. O Governo falhou quando não foi capaz de preservar intactos os registos e os documentos que atestavam o desenrolar dos acontecimentos. O Governo voltou a falhar, mas mais gravemente, porque o fez de modo absolutamente consciente e intencional, quando tentou disfarçar aquele seu descaso escondendo-se por detrás de um segredo de justiça que não existia nem tinha de existir. O Governo continua a falhar todos os dias. Porque não assegura a estabilidade das chefias na protecção civil. Porque não é capaz de contratar os meios aéreos, onde reina a maior das confusões. Porque deixa os mais variados agentes sem os meios mínimos para combater. Porque continua sem organizar uma campanha nacional de prevenção e de preparação da população para situações de urgência. Tudo isto, depois das tragédias que vivemos, assusta. E suscita, desde já, um sentimento: vergonha.   

Sim

Mota Amaral e João Jardim. O PSD homenageou os fundadores das autonomias regionais. Dois estadistas e patriotas que descobriram a via atlântica para reinventar Portugal.

Não

Donald Trump. A mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém é um acto gratuito e inoportuno, que só faria sentido na solução dos 2 Estados. As consequências estão à vista.

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