Este “Desdicionário da Língua Portuguesa” tinha mesmo de existir

Luís Leal Miranda reuniu 218 Novas Palavras Novas e criou um “Desdicionário da Língua Portuguesa”, com palavras inventadas e aqui ilustradas por José Cardoso

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Luís Leal Miranda tem 34 anos é freelancer Wandson Lisboa
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Luís Leal Miranda tem 34 anos é freelancer Wandson Lisboa
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Já foi dar com ele nas secções mais inusitadas das livrarias: junto a compêndios de saúde e bem-estar, a livros pedagógicos e até nas prateleiras da não-ficção. “Não deixa de ser engraçado”, admite Luís Leal Miranda, o autor do Desdicionário da Língua Portuguesa. “É difícil de classificar, não culpo as livrarias. Peço desde já desculpa a toda a gente que o quer arrumar ou procurar.” O livro em formato de bolso, com 200 páginas, foi editado pela Stolen Books no passado mês de Abril e é o resultado (tardio, concede) do projecto Novas Palavras Novas, que vivia apenas online.

Nesta “estufa para palavras sem raiz etimológica” cabem 218 novas palavras novas e 25 ilustrações de José Cardoso — uma por cada letra grafada. Há letras do abecedário mais férteis do que outras, é certo, mas não faltam ideias a este criador de termos que, “se não fossem inventados, tinham de existir”. Abrimos o “desdicionário” numa página aleatória e damos de caras com “hibernardo”: aquela pessoa “que tem sempre uma desculpa para ficar em casa numa sexta-feira à noite”. Quem nunca se armou em “hibernardo” que atire o primeiro exemplar do primeiro Desdicionário da Língua Portuguesa, cujo prefácio é assinado por Ortónimo Silva, o próprio Luís Leal Miranda mascarado de prefaciador profissional.

E havia necessidade de publicar uma coisa que está, na sua totalidade, na Internet? A pergunta é do próprio — não estivéssemos nós a entrevistar um jornalista — e a resposta não tarda. “Não, não havia. Mas gosto de o fazer na mesma.” É por teimas como esta que, aos 34 anos, Luís Leal Miranda empunha agora o Desdicionário da Língua Portuguesa. “A vaidade também é um bom motivo. É que estou a imprimir a Internet e a sacrificar árvores para isto.” Um dicionário, acredita, “precisa de ter um suporte físico para perdurar”. O Facebook, o Instagram e o Tumblr não chegam para albergar vocábulos de outro mundo como “monstro de duas cabeças” (“casal que partilha o mesmo perfil de Facebook”, precisamente) ou “euclipse” (“perda súbita de identidade associada à chegada de uma namorada/namorado ou emprego novo”).

A história do nascimento das Novas Palavras Novas já foi contada em 2014, quando Luís Leal Miranda ainda não dava a cara por estes vocábulos ficcionais. Na altura, quando falou com P3, o jovem assumia-se como “redactor comercial”. A designação servia para expressar a revolta sentida por “passar o Verão a escrever postais de Natal que empresas enviariam uns meses depois”. Desde essa altura voltou ao jornalismo, na Time Out Lisboa, até que chegou ao estatuto de freelancer que hoje apresenta. Além do dicionário ficcionado, é possível ler as palavras que escreve — mas não inventa — em meios como o Observador, a Monocle e o Guia Anual Time Out Açores.

O autor continua a embirrar com palavras — ou, melhor, com o uso que as pessoas lhes dão. “Literalmente” é uma delas e o uso indevido é um flagelo que pode acabar em decapitações quando ouve coisas como “Perdeu, literalmente, a cabeça”. Isso e advérbios de modo: “Também embirro muitas vezes, mas uso-os, obviamente.”

O livro, garante a pés juntos, está à venda “nas melhores livrarias” por 14 euros. Temos é de procurar nas prateleiras “mais estranhas”.

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