Promessa de paz faz disparar preços do imobiliário na fronteira com o Norte

Há quem esteja a comprar terrenos na zona desmilitarizada entre as Coreias através do Google Earth, perante a perspectiva de uma normalização das relações entre os dois inimigos históricos.

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Na zona desmilitarizada da Coreia do Sul Reuters/KIM HONG-JI

Com a reaproximação entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul e a promessa do regime de Pyongyang do desmantelamento das suas principais instalações de ensaios nucleares, o mercado imobiliário anima-se ao longo da fronteira fortificada entre os dois países. A procura por terrenos e habitações em pequenas localidades e áreas rurais nas imediações e mesmo no interior da zona desmilitarizada tem aumentado perante a expectativas de um rápido crescimento do número de habitantes e do investimento naquela região.

Kang Sung-wook, um médico dentista de 37 anos que vive na zona fronteiriça de Paju, comprou oito lotes de terreno na zona desmilitarizada desde meados de Março. Cinco destes terrenos foram comprados sem que o agora proprietário os tenha sequer visitado, recorrendo apenas aos mapas e imagens do Google Earth, uma vez que se situam em áreas da zona desmilitarizada que ainda não estão acessíveis a civis.

Kang explica à Reuters que o seu interesse na compra foi aumentado de forma exponencial desde que as relações entre os dois inimigos históricos começaram a melhorar de forma súbita. “Já estava à procura desde que a cimeira entre a Coreia do Norte e os EUA foi anunciada, em Março, e parecia que todos os bons terrenos já tinham sido comprados”, disse Kang. “Foi aí que percebi que o mercado estava em alta”.

O seu investimento ao longo da fronteira, num total de 20 hectares, ascende aos três mil milhões de won (cerca de 2,8 milhões de dólares ou 2,3 milhões de euros).

Arame farpado e campos minados

Durante décadas, a zona desmilitarizada despertou não interesse de investidores privados, mas antes a preocupação da comunidade internacional perante a repetição de provocações militares frequentemente fatais e de ousadas fugas de cidadãos do Norte.

A zona, pontilhada por postos de guarda, arame farpado e campos de minas, foi estabelecida no final da Guerra da Coreia (1950-1953) e divide duas nações que ainda não se reconhecem oficialmente e que continuam tecnicamente em estado de guerra, uma vez que o conflito terminou em tréguas e não num tratado de paz formal.

Mais de um milhão de minas anti-pessoal estão escondidas no solo da zona desmilitarizada e da zona sob controlo civil imediatamente a Sul, explica Jeong In-cheol, um especialista em minas do organismo que gere os parques nacionais sul-coreanos. No entanto, e apresar de todos os riscos e do facto de o acesso de civis à área ainda seja restrito, é legalmente possível comprar e registar terrenos ao longo da faixa de dois quilómetros de largura que é controlada pela Coreia do Sul.

Em Paju, imediatamente a sul da aldeia fronteiriça de Panmunjom (local na linha de demarcação das duas Coreias, onde se realizam contactos políticos entre Pyongyang e Seul), as transacções de terrenos mais que duplicaram durante o mês de Março, segundo dados do Governo sul-coreano. Estes números superam os valores registados em áreas historicamente mais procuradas como o bairro de luxo de Gangnam, em Seul, onde o mercado imobiliário acelerou apenas 9% no mesmo mês.

Em Jangdan-myun, onde fica a estação ferroviária de Dorasan (a última paragem da linha sul-coreana antes da fronteira com o Norte), o volume de transacções foi quatro vezes superior ao do período homólogo, e o preço dos terrenos aumentou 17% desde então.

Kim Yoon-sik, agente imobiliário com 25 anos de experiência em Paju, traça o perfil dos proprietários de terrenos na zona desmilitarizada — são sobretudo herdeiros de propriedades agrícolas anteriores à guerra, mas também investidores que arriscam apostar a longo-termo. Agora, o mercado está tão "quente" que há cada vez mais proprietários a rasgar contratos de promessa de compra e venda perante a chegada de propostas ainda mais aliciantes que as anteriores, explica o mediador.

Apetite também na China

O crescimento da actividade económica não está limitado apenas à Coreia do Sul ou ao sector do imobiliário. Na China, por exemplo, na cidade de Dandong, que faz fronteira com a Coreia do Norte, os preços também dispararam. E há até investidores chineses que sondam oportunidades de negócio já no interior da Coreia do Norte.

Em Abril, num encontro histórico em Panmunjom, o líder norte-coreano Kim Jong-Un e o Presidente sul-coreano Moon Jae-in prometeram voltar a ligar os caminhos-de-ferro e as estradas dos dois países e a transformar a actual zona desmilitarizada numa “zona de paz”. Com a promessa de investimento sul-coreano e chinês no Norte, na área das infraestruturas e dos transportes, o preço de acções de empresas de construção e de caminhos-de-ferro, como a Hyundai Rotem ou a Seoam, tem estado em acelerada subida.

Esperança e cautela

Este entusiasmo não é inédito e tem precedentes históricos. O preço do imobiliário já tinha disparado em 2007 quando o então Presidente sul-coreano Roh Moo-hyun se encontrou com Kim Jong Il. O mercado voltou a arrefecer quando as relações entre os dois países se começaram a deteriorar, com a chegada ao poder, no Sul, de Lee Myung-bak, em 2008.

Há, por isso, apelos contra a euforia. E há quem aponte desafios que poderão subsistir mesmo se for alcançada a paz. “Durante as últimas sete décadas, as duas Coreias seguiram dois caminhos completamente diferentes”, disse Jhe Seong-ho, professor da Universidade Chung Ang em Seul. “A normalização das zonas de fronteira não vai ser um processo rápido nem simples, mesmo que exista uma abertura económica da parte da Coreia do Norte”.

Ainda assim, os investidores estão animados com as mais recentes notícias da frente diplomática. “Eu acredito piamente que desta vez a Coreia do Norte vai tentar uma economia aberta, como o Vietname”, disse Kang, o dentista transformado em investidor no imobiliário. “Kim Jong Un não ia a estes sítios todos nem visitava a China duas vezes se estivesse a fazer bluff

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