Onde começa Marcelo e acaba o Presidente?

Marcelo não poderá invocar a influência da igreja, dúvidas constitucionais ou de natureza política se os quatro projectos de lei sobre a morte medicamente assistida se fundirem num só

Marcelo Rebelo de Sousa é a favor da morte medicamente assistida? Não. Aprovará o Presidente da República uma lei que regule a eutanásia e o suicídio medicamente assistido? Depende. Em entrevista ao PÚBLICO, Marcelo afirmou que não vetará uma lei por razões pessoais, mas que o poderá fazer tendo em conta uma de três opções: o “estado de situação da sociedade portuguesa” no momento em que for solicitado a pronunciar-se; eventuais dúvidas de constitucionalidade; ou de natureza política.

Se falarmos da influência da igreja católica, que na semana passada distribuiu meio milhão de panfletos, 72 mil pagelas, 32 mil desdobráveis e 3 mil cartazes A3 contra a despenalização da morte medicamente assistida, e que a partir deste domingo inicia a Semana da Vida, o presidente católico e muito consciente das suas responsabilidades, como o classificou o Cardeal Patriarca de Lisboa, vetará qualquer passo nesse sentido, como o fez na lei da identidade de género. Na presença de novo parecer negativo da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), que já se pronunciou contra o primeiro de quatro projectos de lei, da autoria do PAN, o presidente secundará a mesma comissão que organizou com o seu impulso um ciclo de 12 debates no ano passado.

Se Marcelo tiver dúvidas quanto à constitucionalidade da lei recorrerá ele ao Tribunal Constitucional? Não. Nunca o fez em dois anos e dois meses de mandato. Sobram as dúvidas de natureza política. O parlamento prepara-se para discutir os quatro projectos de lei (do PS, BE, PEV e PAN ), dos quais ou pode resultar uma grande manta de retalhos ou um projecto comum a todos eles. Caso os projectos sejam aprovados sem uma maioria inequívoca, e neles estejam evidentes os pontos que a CNECV mais contesta, Marcelo vetará qualquer lei como toda a tranquilidade.

E se acontecer o oposto? Se os quatro partidos prescindirem da votação no dia 29 e fizerem descer os projectos de lei à comissão da especialidade, à procura de um texto consensual para ampla votação, Marcelo não terá melhor exemplo do que é o “estado de situação da sociedade portuguesa”. Marcelo não poderá invocar a influência da igreja num estado laico, o parecer negativo da CNECV, que não é vinculativo, dúvidas constitucionais ou de natureza política se os projectos de lei se fundirem, num parlamento onde só o CDS se entretém em campanhas com o lema “Eutanásia mata”. Nesse caso, só as razões pessoais justificariam os seus fins.

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