Os doze trabalhos de Costa como Hércules do PS

No próximo mandato de secretário-geral do PS, para que agora foi reeleito, Costa tem vários desafios para ultrapassar que vão do cumprir a legislatura, ganhar o ciclo eleitoral até conquistar o direito a ser de novo primeiro-ministro. O PÚBLICO faz o guião dos principais trabalhos que esperam por Costa.

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António Costa inicia mais um mandato de dois anos à frente do PS LUSA/MÁRIO CRUZ

António Costa foi reeleito secretário-geral do PS para o seu terceiro mandato de dois anos, durante o qual será o líder do PS e candidato a renovar o mandato de primeiro-ministro nas legislativas de Outubro de 2019. Pela frente, António Costa tem doze trabalhos que lhe permitirão entrar na mitologia do PS como uma espécie de Hércules.

Parte deles incluem-se no objectivo de cumprir a legislatura até 2019. Para vencer esse desafio tem de manter o equilíbrio político à esquerda, com que inovou a política portuguesa em Novembro de 2015, e levar a bom porto a aliança parlamentar que então estreou com o BE, o PCP e o PEV. No centro desse objectivo está a aprovação do Orçamento de Estado para 2019, o último da legislatura. E, pelo caminho, gerir um relacionamento institucional com o Presidente da República que tem vivido momentos de tensão.

Para além do ciclo eleitoral que se avizinha (europeias, legislativas e regionais da Madeira), no caso de permanecer no Governo, os trabalhos de Costa passam por conseguir levar a cabo uma geometria política variável, que dependerá da correlação de forças que sair das urnas. Mas é expectável que procure renovar os entendimentos à esquerda, sem descurar, contudo, acordos pontuais com o PSD. E, claro, demonstrar a capacidade de renovar o Governo, conseguindo apostar na nova geração e ganhar fôlego e dinâmica política.

Chegar a 2019

O primeiro trabalho de Costa é levar o seu Governo minoritário a cumprir a legislatura. Isso depende, sobretudo, de conseguir manter a aliança parlamentar com o BE, PCP e PEV que têm suportado o seu mandato como primeiro-ministro. É natural, porém, que em época pré-eleitoral o clima de tensão à esquerda aqueça e as reivindicações do PCP e do BE extravasem para as ruas, agitando a governação. E não é de excluir que o primeiro-ministro venha a ensaiar novos entendimentos alargados abrangendo também o PSD. Neste plano, as negociações sobre a Lei de Bases da Saúde podem ser o palco para acordos.

O último Orçamento

Peça central na gestão da aliança à esquerda é a negociação do Orçamento de Estado para 2019. Com o objectivo de baixar o défice para valores próximos de zero, o Programa de Estabilidade já entregue em Bruxelas impõe linhas vermelhas. Mas a alma da sobrevivência política é imensa em Costa e o primeiro-ministro é conhecido como hábil negociador. Não será assim por acaso que, depois do tabu sobre a existência ou não de verbas para aumentar os funcionários públicos, no último debate quinzenal, Costa anunciou estarem previstos no Programa de Estabilidade 350 milhões para esses aumentos, não esclarecendo, porém, se se destinam apenas ao descongelamento de carreiras já acordado.

Coabitação com Marcelo

Coabitar com um Presidente da República que tem inovado o semipresidencialismo com um exercício do poder mediatizado e interventivo é outro trabalho de Costa até ao fim da legislatura e, para lá dela, se voltar a ser primeiro-ministro. O sucesso da estratégia em que aposta para evitar novos incêndios descontrolados e trágicos em perda de vidas humanas, como os de 2017, é o tema principal em que o despique entre Costa e Marcelo se tem desenhado. Mas, na entrevista ao PÚBLICO, o Presidente já elegeu um novo tema: a necessidade da reforma da Justiça.

Distância de Sócrates

Quebrado o silêncio estratégico que, durante quatro anos, Costa impôs ao PS sobre o processo que acusa o ex-líder e ex-primeiro-ministro socialista, José Sócrates, este partido terá de viver uma nova fase de relacionamento com o processo da Operação Marquês. Afinal, Sócrates facilitou a vida a Costa ao sair do PS, mas o legado da sua governação é um adquirido do partido, que o próprio presidente dos socialistas, Carlos César, enfatizou. Qual a atitude que Costa irá assumir? Poderá Costa deixar de combater a imagem de corrupção sistémica no PS que se pode instalar na opinião pública com a multiplicação de investigações por crimes a ex-governantes e dirigentes socialistas logo no discurso de abertura do 22º Congresso? Até porque o julgamento de Sócrates vai estar na informação jornalística durante todo o ano eleitoral de 2019.

Ganhar na Madeira

Pela primeira vez em quatro décadas, o PS acredita poder vencer as eleições regionais na Madeira que se realizam no início de 2019 e roubar o governo ao PSD. Esta poderá ser a cereja no bolo em ano eleitoral. Com a eleição de Emanuel Câmara para líder do PS-Madeira em Janeiro, os socialistas madeirenses ganharam um novo folego, sobretudo pela surpresa que este anunciou no Congresso: o candidato do PS a presidente do Governo Regional será Paulo Cafôfo, o independente que preside à Câmara do Funchal, eleito por uma coligação que integra PS, BE, JPP, PDR e Nós Cidadãos. A ideia parece agradar ao eleitorado, já que em alguns estudos de opinião o PS iguala o PSD e a popularidade de Cafôfo ultrapassa a do actual presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque. Face à dimensão e simbolismo deste trabalho, Costa está atento e até tem reunido com Cafôfo.

Crescer na Europa

Em 2014, Costa classificou a vitória do PS de António José Seguro nas europeias de “poucochinha”. Sendo agora primeiro-ministro e tendo perdido as legislativas de 2015, precisa de vitórias eleitorais como do ar que respira. Depois das autárquicas, é central para o PS ganhar as europeias. Até porque a força e a dinâmica que os socialistas adquirirem nas eleições já previstas para dia 26 de Maio de 2019, será decisivo nas legislativas de Outubro. Para criar esse clima, Costa já anunciou uma convenção em Janeiro, em que ficará acertado o programa para as europeias, e outra em Junho, sobre as legislativas. Mas muito desse élan ganhador advirá dos nomes que escolher para renovar a representação do PS no Parlamento Europeu.

Maioria absoluta

Vital para o futuro político de Costa e provavelmente o trabalho central para entrar na mitologia do PS como um novo Hércules é a vitória do PS nas legislativas de 2019. Neste momento, os socialistas apresentam-se com todas as condições para saírem vitoriosos, mas o verdadeiro desafio para Costa é atingir a maioria absoluta. Da correlação de forças que sair das urnas dependerá o perfil político do próximo ciclo de governação. Tudo leva a crer que, mesmo com maioria absoluta, Costa procure renovar entendimentos preferenciais com o BE e o PCP. Resta saber se bloquistas e comunistas estão disponíveis, com maioria ou mesmo em minoria. O líder do PCP, Jerónimo de Sousa, já fez saber, em entrevista ao Expresso, que algum tipo de entendimento poderá ser tentado.

Entendimentos com o PSD

É sabido que Costa é defensor de alianças políticas à esquerda. A solução encontrada em 2015 não se deveu apenas a uma questão de sobrevivência como líder e de criação de condições para ser primeiro-ministro. Já antes, desde a primeira moção que apresentou no seu percurso para a liderança do PS, defendia claramente a quebra do conceito de partidos do “arco da governação”. Mas Costa é líder de um dos dois principais partidos do sistema político português e sabe que há assuntos em que as reformas têm de envolver o PSD. Fez isso agora com os fundos estruturais da próxima década e com a descentralização, é por isso natural que venha a repeti-lo no futuro. É mesmo possível que a geometria variável da governação o leve também a negociar entendimentos de menor escala com o PSD.

Pacto da Justiça

Optimizar a Justiça portuguesa, um dos pilares de qualquer democracia, é um trabalho já apontado pelo Presidente aos partidos políticos. O que há a fazer passa não só por garantir meios à investigação do Ministério Público, mas também por alterar procedimentos e regras que, sem pôr em causa os direitos dos arguidos, permitam acelerar e optimizar os tempos da Justiça. Uma reforma central para a próxima legislatura, em que Costa não pode deixar de fora o PSD, até porque Rui Rio elegeu-a como central no seu Congresso em Março. Neste domínio, a recondução ou não de Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral da República, em Outubro, surge como um momento determinante.

Redefinição ideológica

O debate sobre a redefinição ideológica do PS e sobre a modernização da social-democracia está lançado no PS. De um lado, o ministro Augusto Santos Silva tem-se assumido como o paladino da defesa de um PS mais ao centro, inscrito no legado da Terceira Via e no blairismo. Do outro lado, a social-democracia de esquerda é protagonizada no Governo por Pedro Nuno Santos, que já defendeu em artigo no PÚBLICO a manutenção de uma política de alianças à esquerda e apresenta ao Congresso uma moção sectorial sobre Economia em que defende o papel central do Estado como interventor e regulador social. Mas o próprio Costa lança, na sua moção de estratégia global, novos desafios à social-democracia de forma a reciclá-la como resposta aos desafios das alterações climáticas, da demografia, da sociedade digital e das desigualdades.

Protagonismo europeu

Na União Europeia, Costa tem o estatuto de líder de um dos poucos partidos sociais-democratas no poder e com o sucesso de ter consolidado a economia e a política orçamental portuguesa, puxando o défice para 0,9% em 2017. Portugal tem também o peso institucional de ter o ministro das Finanças, Mário Centeno, a presidir ao Eurogrupo. Manter este lugar central e participar na reforma da União Europeia garantindo que Portugal não perca peso nem protagonismo nem verbas é um trabalho reservado a Costa.

Futuro Governo

Se ganhar as legislativas, um dos trabalhos mais complexos de Costa será a formação do próximo Governo. É certo que muito depende da correlação de forças saída das urnas, da existência de uma maioria absoluta, da assinatura de acordos à esquerda que assumam a forma de aliança ou mesmo de coligação. Uma coisa parece certa, para ganhar élan e dinâmica de arranque de Governo várias peças terão de mudar. É provável que figuras de uma geração mais velha, como Augusto Santos Silva, Vieira da Silva, Capoulas Santos ou Maria Manuel Leitão Marques saiam.

Mais provável é ainda que Costa abra espaço às novas gerações do PS, alguns dos quais já estão no Governo como secretários de Estado. Não é de estranhar que no próximo elenco governamental do PS ganhem mais peso e protagonismo figuras como Pedro Nuno Santos, Mariana Vieira da Silva, Graça Fonseca, Alexandra Leitão ou Marcos Perestrello e se estreiem outras como Ana Catarina Mendonça Mendes, Sérgio Sousa Pinto, Duarte Cordeiro, João Galamba ou Pedro Delgado Alves.

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