Kim: o esforço dos EUA para conhecerem o líder da Coreia do Norte

Os serviços secretos ouviram antigos colegas de escola do líder de Pyongyang, pessoas que o visitaram e desertores e a recolher todas a spistas para dar vantagem a Trump na cimeira de 12 de Junho em SIngapura.

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Kim Jong-un Reuters

Os serviços secretos norte-americanos estão a tentar traçar um perfil de Kim Jong-un para que o Presidente Donald Trump tenha uma vantagem competitiva numa das cimeiras mais importantes desde o fim da Guerra Fria, mas têm enfrentado um enorme desafio – como definir um líder reservado que se dá a conhecer a muito poucas pessoas.   Os analistas do governo norte-americano estão a juntar todo e qualquer pedaço de informação novo sobre Kim, e a actualizar as avaliações mais antigas sobre o que o irrita ou enerva, continuando a longa tradição de dar aos presidentes dos Estados Unidos mais armas políticas e psicológicas para enfrentarem uma importante cimeira.   Parte da avaliação que vai ser entregue a Trump baseia-se nas impressões recolhidas pelo ex-director da CIA, Mike Pompeo, que esteve com o líder norte-coreano há poucas semanas. Quando regressou aos EUA, o secretário de Estado norte-americano disse aos seus próximos que o jovem líder norte-coreano é “um tipo esperto que está a fazer o trabalho de casa” para se preparar para as reuniões, de acordo com um responsável que falou com a agência Reuters sob anonimato. nbsp; O perfil vai também incluir informações de pessoas que se encontraram com Kim, como a antiga estrela de basquetebol Dennis Rodman, colegas do actual Presidente norte-coreano nos tempos de escola na Suíça e enviados sul-coreanos.   Tudo isto está a ser usado para actualizar o ficheiro secreto do governo norte-americano sobre o comportamento, as motivações, a personalidade e o tipo de liderança de Kim, com o objectivo de ajudar Trump e os seus assessores a desenvolverem uma estratégia para lidarem com o líder norte-coreano.   Um responsável da Casa Branca ouvido pela Reuters recusou-se a confirmar qualquer pormenor sobre este desejo de conhecer melhor Kim, mas disse que “está em marcha um esforço de todo o governo para preparar a cimeira do Presidente”, marcada para o dia 12 de Junho em Singapura.   Apesar deste esforço, o conhecimento directo da personalidade de Kim é limitado, por causa da escassez de espiões e informadores no terreno e das dificuldades encontradas pela ciber-espionagem num país onde o uso da Internet é mínimo.   Quando Kim chegou ao poder, a CIA previu que a sua vida política seria curta. Sete anos depois, essa previsão foi afastada e ele é agora visto como um líder astuto e implacável. Mais recentemente, muitos especialistas norte-americanos foram apanhados de surpresa pela forma astuta como Kim passou das ameaças de desenvolver um arsenal nuclear para uma abertura diplomática.  

“Factor racional”

O consenso que está a crescer nos Estados Unidos sobre Kim é semelhante às conclusões a que já chegaram muitos especialistas internacionais. Kim é visto como um “actor racional”, disseram os responsáveis norte-americanos – e não o “louco” que Trump um dia lhe chamou. Deseja ter um estatuto internacional, mas o seu objectivo principal é a “sobrevivência do regime” e a perpetuação da sua dinastia familiar, o que sugere que será difícil obter dele um desarmamento nuclear total.
Kim é suficientemente implacável para mandar executar os seus familiares, mas agora sente-se suficientemente seguro no poder para enfrentar Trump no plano diplomático. Em termos de personalidade, é visto mais como o seu carismático avô, Kim Il-sung, do que com o seu pai, que era mais reservado.
A decisão de enviar a irmã aos Jogos Olímpicos de Inverno na Coreia do Sul, em Fevereiro, e uma rara aparição da sua mulher aquando da visita a Pyoingyang dos enviados sul-coreanos, em Março, mostram um esforço para humanizar a sua liderança no estrangeiro.   Resguardado pela extrema opacidade da Coreia do Norte, Kim colocou uma série de entraves muito especiais às agências de espionagem norte-americanas.    Os analistas norte-americanos passaram anos a examinar a história familiar de Kim, os discursos, as fotografias e os vídeos, e estão agora a analisar imagens e relatórios dos seus mais recentes encontros com os chineses e os sul-coreanos.   As autoridades norte-americanas também entrevistaram desertores norte-coreanos e até recorreram a fontes em segunda mão, como a memória de um chef de sushi japonês que trabalhou para a família Kim.
Para além da dificuldade que é traçar um perfil de Kim Jong-un, os responsáveis norte-americanos disseram que é também difícil determinar quanta dessa informação deverá ser entregue a Donald Trump – conhecido por ter pouca paciência para briefings detalhados ou para documentos longos –, para depois o persuadir a não agir apenas por instinto, como é costume nos seus encontros com líderes estrangeiros.   A apresentação deverá ser limitada a uma versão abreviada, acompanhada por fotografias, mapas, desenhos e vídeo, disseram os especialistas à Reuters.   Não será a primeira vez que agentes dos serviços secretos norte-americanos se socorrem de ajudas visuais para actualizar o Presidente sobre a Coreia do Norte.   Assim que Trump chegou à Casa Branca, os analistas mostraram-lhe um modelo do local de testes nucleares da Coreia do Norte – o modelo da montanha tinha um cume removível e lá dentro estava uma miniatura da Estátua da Liberdade, para que ele tivesse noção da dimensão das instalações, disseram dois responsáveis norte-americanos.   Um responsável da Casa Branca recusou-se a comentar esta versão.   Os apoiantes de Trump dizem que o Presidente gosta de absorver factos visualmente. “A sua carreira de sucesso no sector da construção significa que ele era muito bom no estudo de planos de arquitectura. Por isso, ele é uma pessoa que aprende visualmente, e isso funciona bem para ele”, disse o responsável da Casa Branca.  

“Nunca é perfeito”

Ao longo de décadas, os governos norte-americanas têm pedido aos serviços secretos que tracem perfis dos líderes estrangeiros, especialmente de adversários como Saddam Hussein, Muammar Khaddafi e Fidel Castro. Muitos outros governos fazem o mesmo.   Esses perfis, que começaram quando os Estados Unidos quiseram perceber melhor a personalidade de Adolf Hitler, têm sido elogiados pelos decisores políticos.   O Presidente Jimmy Carter escreveu no seu livro de memórias Keeping Faith que os perfis do primeiro-ministro israelita Menachem Begin e do Presidente egípcio Anwar Sadat ajudaram-no a alcançar o acordo de paz de 1978.  

Mas o lema “conhece o teu inimigo” não tem sido à prova de erros.   Por exemplo, as primeiras avaliações sobre Kim, feitas pouco depois de ter chegado ao poder, em 2011, sugeriam que ele era demasiadamente inexperiente para sobreviver às lutas internas, mas que se não fosse esse o caso, então o líder norte-coreano estaria mais interessado em reformar a economia do país do que em reforçar a corrida ao nuclear.   “Nunca é perfeito”, admitiu Jerrold Post, um psiquiatra que fundou o centro da CIA para o estudo da personalidade política e que traçou o perfil de Kim Jong-un e do seu pai, Kim Jong-il. “Mas temos de fazer o nosso melhor para compreendermos como é que Kim olha para o mundo”.   Jerrold Post, que está agora a exercer psiquiatria no sector privado, no Maryland, disse que foi abordado recentemente por um assessor de Trump que estava a poucos dias de dar informação ao Presidente. O especialista não quis dar pormenores sobre a conversa.
“Todos nós ouvimos os psiquiatras forenses da comunidade de serviços secretos”, disse Wendy Sherman, uma antiga negociadora com a Coreia do Norte que viajou até Pyongyang com a então secretária de Estado Madeleine Albright, em 2000, para um encontro com Kim Jong-il.
Mas Sherman sugeriu que o contacto pessoal é a melhor forma de tirar as medidas a um líder norte-coreano: “Tenho a certeza de Mike Pompeo, que viajou com uma equipa dos serviços secretos, regressou com muita informação útil.”
Com Soyoung Kim (em Seul) e Matt Spetalnick  Reuters

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