A precariedade e a luta contra os aumentos coabitam nos bairros do IHRU

Construídos há cerca de 40 anos, os bairros de Gondar e de S. Gonçalo quase não sofreram obras de melhoramento até hoje. No primeiro caso, a degradação é visível e encerra potenciais riscos para a saúde pública. Além disso, os moradores continuam com um processo em tribunal contra o IHRU, em virtude dos aumentos das rendas.

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Urbanização da Emboladoura, em Gondar NELSON GARRIDO
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Urbanização da Emboladoura, em Gondar NELSON GARRIDO

Fissuras nas fachadas de um castanho claro já desbotado, ninhos de pombos nos sótãos e amianto nos telhados: estes são cenários do quotidiano da Urbanização da Emboladoura, em Gondar, o único dos cinco bairros do IHRU em Guimarães situado fora da cidade. Envolvidos pelo Rio Ave e pela malha industrial de Pevidém, os seis blocos de habitação foram construídos no final da década de 70 e no começo da de 80 para alojar principalmente trabalhadores têxteis. Há, pelo menos, 20 anos que o Estado não realiza qualquer melhoria de fundo, limitando-se a substituir os caleiros que se vão desgastando, afirma ao PÚBLICO Manuel Veloso, inquilino desde 1995 e presidente da associação de moradores. “Passaram-se anos sem o IHRU pregar um prego”, reitera.

Os problemas foram-se acumulando. Abrigo de uma população a rondar os 500 moradores, com mais de 60 anos na sua maioria, o bairro continua sem elevadores. Essa ausência, alega o responsável associativo, permite ao IHRU ter lucro com as 193 fracções que ali detém, apesar do estado de várias delas. Grande parte dos moradores, acrescenta, têm mitigado a degradação ao investir o próprio dinheiro no interior das habitações, mas também nas escadas e nos corredores. 

A companhia dos telhados com amianto e dos sótãos com pombos arrasta-se, porém, há anos, tal como o receio pela saúde dos moradores. 

Embora não seja possível atribuir causa à substância, Manuel Veloso afirma que há alguns casos de cancro no bairro, principalmente em quem habita nos andares superiores. Outra moradora, Rosa Carvalho, acrescenta que algumas zonas do telhado que se estragaram não podem ser substituídas – o uso e a comercialização do amianto são proibidos desde 2005. “Já não há telhas destas para pôr. Ficou o telhado sem telhas. Há zonas descobertas no telhado”, revela. 

Há cerca de 40 anos a viver naquele bairro do Gondar, a moradora chamou ainda a atenção para os pombos que se abrigam e reproduzem nos sótãos. “A primeira necessidade era limpar os sótãos por causa da bicharada. Do andar de cima, vem um cheiro que não se aguenta”, diz.

Para a responsável de Unidade de Saúde Pública do Agrupamento de Centros de Saúde do Alto Ave, Maria da Paz, é necessário avaliar cada situação referente ao amianto ou aos pombos, embora os fungos presentes nas fezes da ave possam originar doenças pulmonares “quando em contacto constante com determinadas pessoas”.

Diferendo quanto ao aumento das rendas dura há quatro anos

Com cinco bairros – S. Gonçalo, Nossa Senhora da Conceição, Creixomil e Atouguia, para além de Gondar –, Guimarães é o quarto município do país com mais fracções detidas pelo IHRU (1139), depois de Almada (2608 fracções), de Lisboa (1629) e do Porto (1605), e os problemas não se resumem à degradação e aos eventuais riscos para a saúde pública patentes na Emboladoura. 

Moradores e instituto mantêm uma disputa em tribunal desde Julho de 2014. Na origem do processo interposto pelos moradores – pedem indemnizações de 30.000 euros cada –, estiveram os aumentos das rendas então decretados ao abrigo da alteração, em 2012, do Novo Regime de Arrendamento Urbano. Manuel Veloso atribui os aumentos de 300 e 400% na Emboladoura – no caso de Rosa Carvalho, subiu de 25,95 para 205 euros – à necessidade do Governo então liderado por Pedro Passos Coelho fazer face aos compromissos com a troika

Os aumentos nos bairros da cidade, como no de S. Gonçalo, foram, porém, ainda mais severos. “Aquilo começou com um processo sem sequer nos dar possibilidades de contestar. Alguns moradores passaram de 11 euros para 390. É uma coisa absurda”, lembra António Teixeira, presidente da associação de moradores desse bairro.

Os moradores que foram para tribunal continuaram, até hoje, a depositar os valores anteriores na Caixa Geral de Depósitos, e, a 30 de Abril, veio a público o mais recente episódio de um caso que já valeu manifestações no Porto e em Lisboa, junto à sede do IHRU. Após uma reunião com o deputado do BE eleito pelo distrito de Braga, Pedro Soares, as associações de moradores falaram das cartas do IHRU a 236 moradores com ameaça de despejo num prazo de 30 dias, caso não pagassem 50% das rendas em dívida – os valores oscilavam entre os 6000 e os 22.000 euros.

O IHRU e a sua presidente, Alexandra Gesta, não se mostraram disponíveis para prestar declarações ao Público e não confirmaram, por isso, a decisão a tomar sobre o futuro dos moradores. No entanto, quer Pedro Soares, quer os dois deputados socialistas de Guimarães no parlamento – Sónia Fertuzinhos e Luís Soares – já comunicaram que o IHRU não vai, em princípio, avançar com os despejos. 

A ameaça gerou, ainda assim, o pânico nos habitantes, sobretudo os mais velhos, avisa o responsável do bairro de S. Gonçalo, alegando que o IHRU se aproveitou de “meia dúzia de processos individuais” para intimidar todos os moradores envolvidos na disputa. António Teixeira lembrou ainda que, alguns dos moradores contra os quais o IHRU moveu os processos foram desalojados aquando da construção dos bairros, mas até hoje nunca receberam qualquer indemnização.

Um desses casos é António Novais, que habita no quinto andar do bairro de S. Gonçalo desde 1977. Na altura, já havia investido na casa que acabou destruída e viu-se obrigado a deslocar para o novo bairro, construído em cimento e ferro, junto ao Estádio D. Afonso Henriques. Ainda assim, viu a renda aumentada de 350 para 950 escudos. 

Até 2014, as remodelações interiores para melhorar as condições de habitabilidade ficaram todas a cargo dos moradores, recorda. Nesse ano, porém, o IHRU fez um ajuste no telhado para evitar a entrada de água no sexto andar. O edifício, porém, acabou por ficar em pior estado, com as infiltrações a descerem até ao terceiro andar.

Hoje, tem novamente obras em curso, embora o seu término estivesse previsto para 25 de Abril. Para António Novais, a obra de 2014 foi um motivo para o IHRU encarecer as rendas. No seu caso, o valor aumentou dos 9,38 para os 295 euros, fixando-se, pelo meio, no primeiro ano de aumento, nos 104. “Foi uma aberração”, diz.

Aumentos podem ser aceites, mas só com obras

Além dos processos em curso em tribunal, os moradores querem negociar com o Poder Central e com o IHRU para conseguirem “rendas mais justas”, reitera António Teixeira. Para já, o dirigente associativo obteve o feedback do BE e do PS de que será possível negociar valores dentro dos rendimentos das pessoas, mas sublinha que, enquanto “não for aprovada no parlamento uma lei que anule os 50% das rendas exigidas pelo IHRU”, os moradores vão continuar a depositar as rendas antigas. 

O presidente da Associação de Moradores da Emboladoura considera, por seu turno, que a lei não permite aumentos em bairros onde não há obras. Ainda assim, não é necessariamente contra os aumentos, até porque considera muitas das rendas em vigor até 2014 relativamente baixas. “O que eu acho mal é o instituto mandar estes prédios para o abandono e o desprezo. Os moradores nunca foram contra os aumentos das rendas. Foram contra os aumentos que lhes aplicaram, exagerados, dada a situação em que estão os blocos”, reitera Manuel Veloso.

Enquanto espera que o projecto de resolução do PCP na Assembleia da República a exigir o perdão da dívida dos moradores e o fim dos processos em tribunal possa ser aprovado, o responsável fala da “qualidade de vida” que o bairro poderia ter caso fosse requalificado, dos problemas sociais que o afectam, obrigando muitos dos seus jovens a emigrar, e com a inacção da Câmara Municipal junto do IHRU. “A lei dá poderes à Câmara para substituir os senhorios, se eles não fizerem obras. Já vão seis meses desde que pedimos uma reunião em Novembro. Não há uma resposta”, diz. 

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