Vão-se todos embora

Ao reler o episódio da mulher adúltera no Evangelho de João ocorreu-me que tudo o que Jesus fez e disse foi para que o deixassem em paz.

Ao reler o episódio da mulher adúltera no Evangelho de João ocorreu-me que tudo o que Jesus fez e disse foi para que o deixassem em paz. Jesus chega do Monte das Oliveiras com sede de solidão. Precisa de pensar, de rezar, de curtir a sua própria companhia, sozinho só com Deus.

Mas, hélas, tinha de ir ao templo ensinar o povo. Para cúmulo, aparecem os chatos dos doutores da Lei e os fariseus com uma mulher adúltera, a perguntar-lhe se podiam matá-la à pedrada como mandava Moisés.

Jesus sentiu-se entalado. Não queria que fizessem mal à mulher mas também não queria desrespeitar a Lei. Teve então a ideia genial de se pôr a escrever com um dedo na terra, levando toda a gente a aproximar-se, curiosa, para ver o que tinha desenhado.

Arranjou uma fórmula brilhante para esvaziar a sala: "Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!" Um sonho: foram-se todos embora. Agora só faltava ver-se livre da chata da mulher, aproveitando a ocasião para um show de humildade: "se desta malta toda ninguém te condenou, quem sou eu para estar aqui sozinho a condenar-te, armado em bom, tipo 'o meu é o único voto que conta'?"

Repare-se na ordem do que diz Jesus à mulher: primeiro diz "vai-te embora" e só depois diz "não tornes a pecar". "Vai-te embora" é a parte importante, estando implícito que já não se fala mais nisso. "Não tornes a pecar" é uma recomendação geral, para ser entendida à luz da atitude liberal de Jesus para com o pecado.

Conseguiu assim Jesus o sossego que procurava.

 

 

 

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