Ibrahim é palestiniano e não quer morrer

Da organização do protesto ao medo, passando pela proibição dos pais ou pelos exames da universidade, são muitas as razões que mantêm muitos jovens palestinianos afastados do protesto em curso na Faixa de Gaza.

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Um palestiniano e a sua arma, uma fisga REUTERS/MOHAMMED SALEM

Ibrahim acha bem que se mande uma mensagem a Israel, mas morrer para o fazer é um custo demasiado grande. Tareq diz que mais vale estar vivo para protestar de outro modo, e Bader confessa que os pais não o deixam ir à manifestação. Ruba perdeu dois primos na Marcha do Retorno e não quer arriscar ser atingida. Mais tem sentimentos contraditórios, e só concorda com o protesto “às vezes”.  

O Direito do Retorno é um tema unânime – a maioria dos quase dois milhões de habitantes da Faixa de Gaza são refugiados e no território há vários campos geridos pela ONU. Já a Marcha é diferente. Porque a cada sexta-feira morrem pessoas, atingidas pelos tiros dos atiradores israelitas que têm como missão impedir que os palestinianos cheguem à vedação de separação, e centenas têm ficado feridas.  

“O preço para mandar esta mensagem a Israel é demasiado grande para um impacto tão pequeno”, diz Ibrahim, um estudante de 21 anos. “Acho que as pessoas não mereçam morrer para isto.”

E não é só o risco de perder a vida. “Já temos uma comunidade tão grande de pessoas com deficiências”, nota Ibrahim – depois da guerra de 2009, uma das consequências dos bombardeamentos foram muitas amputações. “Na Marcha já houve muitas pessoas atingidas que ficaram sem pernas.” Abana a cabeça. “Não vale a pena.”

Três manifestantes correm para se protegerem do gás pimenta usado pelas forças israelitas Reuters/IBRAHEEM ABU MUSTAFA
Um palestiniano e a sua arma, uma fisga Reuters/MOHAMMED SALEM
Um bombeiro tenta apagar o fogo que deflagra no lado israelita da fronteira Reuters/AMIR COHEN
Uma manifestante carrega pneus durante o protesto Reuters/IBRAHEEM ABU MUSTAFA
Uma mulher usa uma fisga para atirar pedras às forças israelitas Reuters/IBRAHEEM ABU MUSTAFA
Manifestantes palestinianos fogem do gáspimenta usado pelas forças israelitas LUSA/MOHAMMED SABER
Um rapaz é levado para longe do protesto Reuters/MOHAMMED SALEM
Duas mulheres que participavam na manifestação tentam fugir do gás pimenta carregando uma criança Reuters/MOHAMMED SALEM
Latas de gás-pimenta foram disparadas pelas forças israelitas contra os manifestantes palestinianos, que reclamam o direito a voltar à sua terra natal Reuters/IBRAHEEM ABU MUSTAFA
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Três manifestantes correm para se protegerem do gás pimenta usado pelas forças israelitas Reuters/IBRAHEEM ABU MUSTAFA

Outro estudante, Tareq, sublinha que “não há zonas seguras” na Marcha, apesar de ser suposto que só quem chega perto da barreira que separa Gaza de Israel é atingido. “Na sexta-feira da semana passada o gás lacrimogéneo chegou à tenda dos paramédicos”, já muito longe da barreira, conta. Para Tareq, o maior objectivo contra a ocupação “não deveria ser morrer, deveria mesmo ser evitar ser morto”. Mas neste momento está focado noutra coisa: “Não fui à Marcha porque tenho exames”. E estudar é a maneira de um dia poder sair de Gaza.

A estudante Mais (pronuncia-se como Maiz), que partilha esta ideia de um dia poder sair de Gaza, não foi, nem vai, a qualquer das manifestações da Marcha do Retorno, que começou a 30 de Março e termina a 15 de Maio. “Às vezes concordo com eles, porque estão a fazer qualquer coisa e não a esperar que algo aconteça”, diz. “Mas podem estar a ser guiadas pelos líderes”, diz, o  que não lhe agrada. “Mas pelo menos são os líderes daqui”.

Nenhum destes jovens fala muito de política local – o Hamas, que controla o poder no território, apoiou a ideia da Marcha, e tem ora sublinhado que é uma marcha pacífica ora dado a entender que no último dia, terça-feira, os manifestantes podem mesmo tentar entrar em Israel.

Para Israel, a ideia de ter palestinianos a sair de Gaza sem controlo não é concebível: o Estado teme acções de membros do Hamas e lembra como em 2006 uma operação num túnel entre Gaza e Israel levou à captura, pelo movimento islamista, do soldado Gilat Shalit. Foi libertado seis anos depois num acordo de troca de reféns.

Ruba, de 20 anos, também estudante, gostava de ir à marcha, mas não quer arriscar. “Se soubesse que não ia ser atingida, eu ia. Queria muito apoiar isto, é uma ideia nova, as pessoas ficaram entusiasmadas”, diz. “Não é organizada, é muito caótico. Tudo pode acontecer.” Na sua família duas pessoas já morreram na marcha, dois primos. Há locais onde há maior possibilidade de se ser atingido, mais perto dos soldados. “Penso que um deles sabia” que havia uma grande probabilidade de morrer. “O outro não sei… penso que não.”

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