Uma voz distinta do tango ilumina A Barraca por uma noite

Martín Alvarado, já descrito como “a voz do tango no século XXI”, actua esta sexta-feira no Teatro A Barraca, em Lisboa. Com ele, estarão o bandoneonista Walter Hidalgo e a cantora Mariana Abrunheiro

Martin Alvarado, Argentina
Fotogaleria
Martín Alvarado DR
Carlos Gardel, Trikiti, Bandoneon, acordeão
Fotogaleria
Walter Hidalgo DR
Cantar Paredes, Mariana Abrunheiro
Fotogaleria
Mariana Abrunheiro MÁRIO PRÍNCIPE

O argentino Martín Alvarado, um dos mais relevantes cantores contemporâneos de tango, já descrito como “a voz do tango no século XXI”, actua esta sexta-feira pela primeira vez em Portugal, no espaço íntimo do Teatro A Barraca (às 23h). Porquê aqui e porquê agora? Por uma feliz coincidência: a amizade antiga com Walter Hidalgo, bandoneonista aqui sediado.

Alvarado sempre se sentiu atraído pela música, mas só aos 19 anos decidiu estudá-la seriamente. Aos 20 descobriu que tinha talento para cantar e, como diz numa autobiografia que publicou online, nunca mais parou. Esteve em grupos de rock, de jazz, de pop e de tango, género a que se dedicou. Mas a crise económica na Argentina, no início dos anos 2000, fê-lo abandonar pela primeira vez o seu país. E depois de tocar em vários palcos e salas viu-se, em 2002, a tocar nas ruas de Barcelona a troco de umas moedas. “Tocar nas ruas, era uma mistura de arte e delinquência, porque era proibido. Tocava, feliz da vida, mas sempre a olhar para o lado a ver se vinha a polícia”, conta ao PÚBLICO.

Foi nas ramblas que conheceu duas turistas finlandesas que praticamente o intimaram a ir até à Finlândia, dizendo-lhe que ali poderia vir a ser uma estrela. Conseguiram-lhe um contrato de três concertos por semana “num restaurante espanhol muito caro”, onde iam jantar os membros da Orquestra Filarmónica de Tampere, que não tardaram a convidá-lo a cantar com a formação. “A Finlândia salvou-me a vida. A aprendizagem de tocar nas ruas foi para mim voltar ao zero, cantar em qualquer circunstância. De nada valia estar cansado ou ter fome, era preciso tocar.” Passou, depois, a tocar na Rússia, em Espanha, na Eslovénia e, claro, na sua Argentina natal. E ainda este ano actuará na Sibéria e na Noruega. Em Portugal, país que nunca havia visitado, é uma estreia, a convite do bandoneonista argentino Walter Hidalgo, que está actualmente a residir em Lisboa e tem actuado em diversas salas do país. Une-os uma amizade antiga, pois nasceram ambos no mesmo bairro de Buenos Aires, Flores.

“A música cura-nos”

Walter Hidalgo tem tocado a solo ou acompanhado pela cantora e actriz portuguesa Mariana Abrunheiro, com a qual apresentou ultimamente o brilhante recital Los Pájaros Perdidos. Ela também estará com Martín e Walter n’A Barraca, integrando um trio e todos cantam, cabendo a Walter Hidalgo o bandoneón e a Martín Alvarado a guitarra. “Martín é um artista completo”, diz Walter ao PÚBLICO. “Os cantores de tango aborrecem-me quando tentam ver quem canta mais alto ou quem tem a voz mais poderosa. Mas o Martín faz-me lembrar esse grande cantor de tango que era Roberto Goyeneche: quando ele cantava Garúa [uma chuva fininha, no Brasil diz-se “garoa”], a gente sentia a chuva no rosto. É uma carga emocional que muito poucos cantores da nova geração têm e que não há técnica ou professor que ensine.”

Martín Alvarado cita um outro nome, que lhe mudou a vida e a carreira, a partir do dia em que o ouviu na televisão: Rubén Juárez. “É o pai da nova geração, um artista dos maiores. Para mim, é fundamental, é aquele de que mais gosto entre todos os cantores de tango, incluindo Gardel.”

Tocar numa sala pequena não lhe faz qualquer confusão. “Escutam-nos de outra maneira, vemos os rostos uns dos outros. Nós cantamos porque é esta a nossa forma de viver”, diz Martín. “Às vezes o mais importante é o concerto e não o âmbito”, acrescenta Walter. “A música cura-nos. Se não fosse a música”, graceja, “já estaríamos mortos há muitos anos”.

Sugerir correcção
Comentar