Incêndios voltaram a toldar relações entre Marcelo e Costa

Presidente da República e primeiro-ministro trocaram ontem vários recados através da comunicação social. O dia foi intenso para ambos e as palavras não foram nada doces.

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LUSA/MÁRIO CRUZ

Marcelo e Costa conversaram muito ontem ao longo de todo o dia. E nem sempre o fizeram de forma doce. Em causa os incêndios florestais do ano passado e uma eventual repetição da tragédia este ano. Fizeram-no através da comunicação social, com uma repetição de recados sobre demissões e não repetição de uma recandidatura presidencial, caso o que correu mal o ano passado volte a correr mal este ano. Mais uma vez, os incêndios florestais voltaram a agitar a relação cordata que tem marcado os mandatos políticos dos dois.

O primeiro-ministro tinha afirmado há três semanas que não se demitiria, caso se repetisse a tragédia; Marcelo disse ontem numa entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença que não demitia o primeiro-ministro, mas não se recandidataria a Belém; Costa respondeu pouco depois do meio-dia afirmando que o Presidente não manda recados ao Governo pelos jornais e Marcelo voltou a replicar já ao final da tarde, falando em “revisão da matéria dada muito normal nesta altura do ano lectivo”. O dia foi intenso.

“A entrevista diz o que tinha a dizer, está dito. Eu devo dizer que, ao ler a entrevista, fiquei com a sensação, em termos académicos, de que é revisão da matéria dada”, afirmou o chefe de Estado ao final do dia. Referiu ainda que, “que de uma forma ou de outra, já tinha dito o que disse na entrevista”. O Presidente da República afirmava assim que o que disse na entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença e aborreceu o primeiro-ministro já o disse ao chefe do executivo e volta a fazê-lo agora, porque se aproxima a época de incêndios.

Era mais uma resposta à declaração de Costa sobre recados, em que este tinha afirmado não ser “hábito dos órgãos de soberania, em particular nas relações entre Governo e Presidente da República, [comunicarem] através da comunicação social”. “Todas as matérias que o Governo tem a transmitir ao senhor Presidente da República fá-lo diariamente, ou, pelo menos, semanalmente e o inverso também é verdadeiro. O senhor Presidente da República não manda recados ao Governo pelos jornais”, acrescentou. Sem o dizer directamente, Costa estava a afirmar que, desta vez, o Presidente estava a ir longe de mais.

Questionado se já falou com o primeiro-ministro sobre a demissão do coronel António Paixão do cargo de comandante operacional da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), Marcelo Rebelo de Sousa escusou-se a responder à pergunta. “O Presidente da República recebe o primeiro-ministro todas as quintas-feiras, mas obviamente tem de falar com o primeiro-ministro várias vezes e, porventura, com o conhecimento do primeiro-ministro, com membros do Governo, ao longo da semana, porque há acontecimentos que não esperam uma semana”, disse.

Esta não é a primeira vez que a questão dos incêndios florestais tolda as relações entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. Começou com o duro discurso de 17 de Outubro do ano passado que acabou por levar à demissão da então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa.

Alguns dias depois, o PÚBLICO noticiava em manchete que o Governo tinha ficado chocado com as palavras do Presidente, pois este saberia de tudo o que estava a ser planeado, nomeadamente, a saída da ministra. No dia seguinte veio a resposta de Marcelo, de visita aos Açores: “Chocado ficou o país.”

Daí para cá não foram poucas as vezes em que o Presidente avisou publicamente que estará atento à preparação da época para o combate aos incêndios florestais e que não permitirá que se voltem a repetir erros.

Quem também ontem veio a público criticar as mudanças na Protecção cCivil e a preparação do combate aos incêndios foi Rui Rio. O presidente do PSD diz ver esta mudança “com uma preocupação muito grande” e sublinha que “este é um mau momento para que tal aconteça”. “Desde que este Governo assumiu funções, ainda não acertou com a pessoa que deve comandar a Protecção Civil em Portugal.”

“Nós já estamos em Maio. Mudar o comandante nacional a um mês do calor, quando estamos na iminência de ter muitos incêndios, é muito preocupante”, reiterou. Para o líder social-democrata, isto demonstra “uma incapacidade [governamental] para lidar com este dossier”. E vai mais longe, acrescentando que “a maior falha do Governo desde que tomou posse foi justamente nesta área da Protecção Civil”. 

com Camilo Soldado

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