As histórias “pessoais” de quem se sente só são “universais”

Nos apartamentos virtuais do “The Loneliness Project“ vivem pessoas sós. Autora da plataforma digital quer mostrar que o mesmo se passa nas casas reais — “e que é normal”

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Três prédios cheios de pessoas sós. Quando foi a última vez que se sentiram sozinhas? “Agora.” “Esta noite.” “Há dez minutos.” “Sempre.” A pergunta é do The Loneliness Project (projecto da solidão), um site construído para acabar com o estigma da solidão, um apartamento de cada vez.

As respostas estão nas histórias, contadas na primeira pessoa, que revelam o que se passa atrás de portas fechadas. “Sempre gostei da ideia de apartamentos como metáfora para a solidão”, contou a designer gráfica responsável pela ideia, Marissa Korda, 26 anos, ao Guardian. “Porque está toda a gente presa na sua pequena unidade, sem perceber que toda a gente está próxima, a fazer a mesma exacta coisa que eles estão a fazer.”

No apartamento 108, por exemplo, Michael (que prefere manter o apelido anónimo), 39 anos, diz que, para ele, “solidão significa viver com a mulher”. Apercebeu-se disto pela primeira vez num jantar com amigos, em que todos os casais à mesa se olhavam nos olhos — e, quando ele fitava a mulher, ela desviava o olhar. Tudo culminou no “momento em que se sentiu mais sozinho”, durante uma festa, onde percebeu que “simplesmente” já não gostavam um do outro.

A colecção de relatos, escritos por pessoas de todo o mundo, surge ao clicar nas janelas que revelam silhuetas (como se estivéssemos a espreitar pela cortina). São contos visceralmente “pessoais” e, “no entanto, profundamente universais”, lê-se, na descrição do projecto.

Korda, que vive no Canadá, disse, na mesma entrevista, que quer desenvolver uma plataforma crua, que rivalize “com o mundo altamente filtrado das redes sociais”. “Nós precisamos de mais projectos que falem sobre como a vida é feliz, mas também solitária e triste.”

Em Outubro último, a designer gráfica começou a procurar histórias de isolamento social. Chegaram-lhe mais de 1400, oriundas de 60 países — todas tinham uma desconexão em comum: o que as pessoas esperam das suas interacções sociais estava desligado da realidade dessas mesmas situações.

Korda defende que há cuidados a ter com o uso da palavra “epidemia” quando se fala em solidão, uma vez, que, na maior parte das vezes, acredita, “é apenas parte de ser humano”. “É um sinal de que queremos algo mais das nossas interacções sociais, que queremos mais das nossas vidas sociais.”

A solidão é o primeiro capítulo do Imperfect Archive of Us (um Arquivo Imperfeito de Nós), que deverá incluir ainda outros temas “dos quais ninguém fala”: a culpa, o falhanço e a insegurança. O objectivo é construir um “espaço digital para cultivar compaixão, pelos outros, mas especialmente por nós mesmos”. E juntar uma comunidade que não está tão sozinha como pensa.

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