Ignorada por Trump, Europa vai manter pacto com o Irão vivo

Os europeus unem-se e prometem manter a sua política com Teerão e ir mais longe do que o acordo nuclear, em negociações futuras que já não contarão com os EUA. "O acordo é um dos maiores êxitos diplomáticos jamais alcançados", disse Mogherini.

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Mogherini: "Não deixaremos que ninguém desmantele este acordo" Reuters

A alta representante para a Política Externa e vice-presidente da União Europeia, Federica Mogherini, replicou nesta terça-feira o tom desafiador do Presidente norte-americano, Donald Trump, quando anunciou a retirada dos Estados Unidos do acordo nuclear internacional com o Irão. Mogherini sublinhou que a intenção do resto dos líderes do chamado grupo P5+1 — composto por todos os países com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas mais a Alemanha — é manter de pé o Plano Abrangente de Acção Conjunta (ou JCPOA, na sigla em inglês). “Nós vamos preservá-lo e esperamos que o resto da comunidade internacional faça o mesmo. Não deixaremos que ninguém desmantele este acordo, que é um dos maiores êxitos diplomáticos jamais alcançados”, afirmou.

Numa posição conjunta assinada pelos líderes da Alemanha, França e Reino Unido, diz-se que a decisão do Presidente dos EUA não impede os restantes subscritores de manter o acordo vivo — Angela Merkel, Emmanuel Macron e Theresa May apelam, de resto, a que os EUA “permitam que se mantenha a aplicação das suas principais disposições”. Ao mesmo tempo, encorajam o Irão a “dar provas” do seu compromisso com o documento, na resposta à decisão americana.

“Este acordo pertence a toda a comunidade internacional, construí-mo-lo juntos”, lembrou Mogherini, que numa curta declaração minutos depois do anúncio de Donald Trump, não escondeu a sua “preocupação” com o possível impacto das novas sanções económicas prometidas por Donald Trump, nem a determinação da União Europeia em preservar um acordo que “tem funcionado e está a cumprir o seu objectivo, que é garantir que o Irão não desenvolve uma arma nuclear”. “Ficaríamos muito satisfeitos se os EUA reconsiderassem a sua posição”, disse.

A mensagem que a chefe da diplomacia europeia mais repetiu nos últimos dias foi que os termos do acordo estão a ser rigorosamente cumpridos pelo Irão, pelo que não existe nenhum motivo para denunciar a sua aplicação — e embarcar numa viagem no tempo para a anterior situação de insegurança e instabilidade regional (e mundial) resultante do desenvolvimento do programa nuclear e a eventual construção de uma bomba atómica pela república islâmica. 

Ao contrário de Trump, a União Europeia “confia totalmente no trabalho, na competência e na autonomia” da Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA), “que publicou dez relatórios a certificar o cumprimento” por parte de Teerão das exigências da comunidade internacional relativas à monitorização do seu programa nuclear.

Durante a tarde, os líderes dos três países europeus envolvidos no acordo falaram ao telefone para antecipar a resposta a Trump. No Twitter, Emmanuel Macron revelou que os subscritores do JCPOA tencionam agora “trabalhar colectivamente, num contexto mais vasto, que cubra a actividade nuclear, o período pós 2025, os mísseis balísticos e a estabilidade do Médio Oriente, em particular as acções desestabilizadoras na Síria, Iémen e Iraque”. Na declaração conjunta divulgada mais tarde, os três comprometem-se a alargar as suas discussões com todos os parceiros e aliados na região.

Mogherini informou que as consultas serão prolongadas nos próximos dias, quando forem conhecidos em maior detalhe os passos que a Administração norte-americana pretende tomar, para “avaliar todas as implicações” da decisão de Trump. A UE não deixará de “defender os seus interesses de segurança e proteger os seus investimentos económicos”, frisou.

Interesses que não passam pela renegociação do acordo, como propõe Trump e que aliás Teerão rejeita. Essa foi uma hipótese que o Presidente da França, Emmanuel Macron, e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, mencionaram durante as suas visitas consecutivas à Casa Branca, há menos de duas semanas, num derradeiro esforço para convencer Donald Trump a manter em vigor o acordo nuclear assinado com o Irão em 2015. Os dois regressaram à Europa sem a mínima ilusão quanto ao sucesso da sua missão — não terão ficado surpreendidos pelo anúncio de Trump.

Segundo informou a Casa Branca, antes de se dirigir ao país Trump falou pelo telefone com o homólogo francês para o prevenir que os EUA ficariam de fora. O outro telefonema de Trump foi para o Presidente chinês, Xi Jinping, que seguramente estará a tomar nota do impulso do líder norte-americano para rasgar acordos e tratados internacionais quando se sentar à mesa das negociações — seja para discutir as relações comerciais entre os EUA e a China, seja para promover a desnuclearização da península coreana.

Só o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, elogiou a decisão de Trump vincando que é esta que melhor defende os interesses do seu país, que seria o mais prejudicado por um Irão nuclear. “Creio que todos conhecem as intenções malignas do Irão, e todos reconhecem também o direito de Israel à auto-defesa”, disse, agradecendo ao líder norte-americano a sua coragem.

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