Desvendada a receita química de substância usada contra o cancro

Foram descobertas as últimas enzimas da vinca-de-madagáscar que faltavam para que a estrutura química da vimblastina – substância usada no tratamento de vários tipos de cancro – ficasse completa.

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Planta da espécie Catharanthus roseus Andrew Davis/Centro John Innes

A vinca-de-madagáscar é mais do que uma planta bonita: tem ingredientes essenciais para a produção de uma substância importante no tratamento de vários tipos de cancro. Contudo, faltava encontrar duas enzimas para que a receita química dessa substância ficasse completa. Agora, uma equipa internacional de cientistas anuncia num artigo científico na revista Science que conseguiu descobrir esses dois passos químicos em falta. Avisa também que, com esta nova informação, podem ser criados novos compostos.

Pode ser encontrada em qualquer jardim, mas origem da vinca-de-madagáscar (de seu nome científico Catharanthus roseus) é Madagáscar. Há também quem lhe chame vinca-de-gato, boa-noite, bom-dia ou maria-sem-vergonha. E tem poderes mágicos como planta medicinal: as suas folhas costumam ser utilizadas para tratamento de diabetes, febre, reumatismo ou outras doenças.

Mas a vinca-de-madagáscar é conhecida por produzir a vimblastina – substância activa utilizada no tratamento de vários tipos de cancros, como o do cérebro, dos pulmões ou o linfoma de Hodgkin. Já se conheciam mais de 31 reacções enzimáticas que ocorriam na planta para a produção da vimblastina. Faltava apenas encontrar os dois últimos passos para se descobrir toda a estrutura química da substância e o padrão genético subjacente.

Para identificar esses passos, a equipa usou técnicas de sequenciação do genoma e um vírus para inibir os genes que codificam as enzimas que pretendiam descobrir. Encontraram assim as duas enzimas em falta – a PAS e DPAS. Também identificaram duas enzimas (a CS e a TS) que, por sua vez, vão dar origem à catarantina e à tabersonina, que são precursores químicos da vimblastina. “Apresentamos os genes que codificam as enzimas que faltavam para completar o padrão da vimblastina”, escrevem os cientistas no artigo científico publicado esta sexta-feira.  

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Estrutura química da vimblastina Centro John Innes

“A vimblastina é uma das substâncias naturais activas mais complexas nas plantas do ponto de vista estrutural e médico – esta é a razão para tantas pessoas nos últimos 60 anos tenham tentado chegar onde nós agora chegámos. Nem acredito que chegámos finalmente aqui”, considera Sarah O’Connor, do Centro John Innes (Reino Unido) e uma das autoras do artigo científico, num comunicado da sua instituição. “Com esta informação, podemos tentar aumentar a quantidade de vimblastina produzida por esta planta.”

Até agora, como os mecanismos químicos que a vinca-de-madagáscar usa na produção da vimblastina não estavam completamente descodificados, eram necessários cerca de 500 quilos de folhas secas para produzir um grama dessa substância.

Já tendo compreendido o padrão genético e a estrutura química da vimblastina e usando técnicas da biologia sintética, a equipa está agora interessada em transpor essa informação na criação de novos compostos químicos. Afinal, de uma pequena e bonita planta pode surgir um novo mundo de possibilidades.   

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