O antigo “menino de ouro” sai do PS com um post scriptum e estrondo

José Sócrates, o “pobre provinciano que andou na política durante uns anos”, deixou PS revoltado com Costa. Primeiro-ministro ficou surpreendido.

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Daniel Rocha

José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, 60 anos, militante do Partido Socialista desde 1981. O já chamado “menino de ouro” do PS, depois de, na noite de 20 de Fevereiro de 2005, ter dado a maior votação de sempre aos socialistas saiu do partido que agora se diz “envorgonhado” com os seus actos. Sai continuando a gritar inocência perante a justiça, depois de ter cumprido 288 dias de prisão (2014/2015) e sido acusado pelo Ministério Público de vários crimes económico-financeiros, incluindo corrupção e branqueamento de capitais. E saiu com o estrondo que marcou toda a sua vida política.

 A notícia soube-se na madrugada de sexta-feira, quando a capa do Jornal de Notícias começou a circular na Internet. “Críticas levam Sócrates a abandonar o PS”, titulava o matutino. Saía por sua vontade, anunciada num artigo de opinião, “arma” que usa com frequência para clamar a sua inocência no processo Operação Marquês.

Na verdade não foram críticas. Foram estados de alma até agora calados, que os principais dirigentes do PS – presidente e secretário-geral incluídos – foram soltando nos últimos dias. Especialmente depois de se saber que o ministro de Economia no Executivo de Sócrates, Manuel Pinho, era suspeito de ter recebido dinheiro do grupo GES, quando era governante.

Alguns dos que antes apoiaram Sócrates estavam agora “envergonhados”, “enraivecidos”, achavam que a posição do ex-líder era “insustentável”. Na quinta-feira, quando o antigo primeiro-ministro garante que o artigo já estava escrito, António Costa, desde o Canadá, deu-lhe o empurrão final. “A confirmarem-se” as suspeitas de Sócrates e Pinho “isso será uma desonra para a democracia”, afirmou o primeiro-ministro e antigo número dois do PS liderado por Sócrates.

O artigo de José Sócrates no JN chama-se A clarificação devida, onde desmente ligações ao BES e ao antigo banqueiro Ricardo Salgado. A saída do PS, vem apenas num post scriptum (ps) do texto.

“A injustiça que a direcção do PS comete comigo, juntando-se à direita política na tentativa de criminalizar uma governação, ultrapassa os limites do que é aceitável no convívio pessoal e político. Considero, por isso, ter chegado o momento de pôr fim a este embaraço mútuo. Enderecei hoje uma carta ao Partido Socialista pedindo a minha desfiliação do partido”, afirmou, garantindo que o faz depois do artigo com data do dia 3 já estar escrito e depois de ter conhecido as declarações de Carlos César, o presidente do PS “envergonhado".

Para António Costa nem uma palavra. Deixou, porém uma lembrança, que visa o agora primeiro-ministro: “Durante estes quatro anos não ouvi por parte da direcção do PS uma palavra de condenação destes abusos [da justiça], mas agora sou forçado a ouvir o que não posso deixar de interpretar como uma espécie de condenação sem julgamento.”

A “bomba” estava lançada. O homem que, nos tempos da sua governação, se intitulou “como um animal feroz” voltava a colocar as garras de fora, agora contra os seus. E o PS entrava mais uma vez em alvoroço por causa de Sócrates.

A primeira reacção da cúpula do partido chegou a meio da manhã pela voz de Carlos César, com o presidente do PS a acentuar a “saída” livre e a repetir as palavras que o ex-primeiro-ministro não tinha gostado de ouvir na véspera: “O que dissemos e continuamos a dizer é que em circunstâncias que envolvam suspeitas e acusações de actos graves da parte do PS haverá desde logo e sempre uma preocupação. Se se confirmarem essas suspeitas e acusações, aquilo que hoje os portugueses sentem é justamente um entristecimento e um sentimento de revolta [em relação aos políticos].”

Pouco depois, outra vez desde o Canadá, onde está em visita oficial, chegava a “surpresa” de António Costa: "É uma decisão pessoal de José Sócrates que tenho obviamente de respeitar", mas "fico surpreendido, porque não há qualquer tipo de mudança da posição da direcção do PS sobre aquilo que escrupulosamente temos dito desde o início: separação entre aquilo que é da justiça e aquilo que é da política.".

Apoiantes e críticos dividiam-se mais uma vez. De um lado, surgiam os que afirmavam que Sócrates tinha tido “finalmente vez uma atitude digna”, como Ana Gomes, que espera que estejam abertas as portas no partido para uma “reflexão sobre a corrupção” na política. Para o presidente honorário do PS, António Arnaut, o ex-primeiro-ministro até “já devia ter tomado [aquela decisão], face da gravidade das acusações e das críticas severas que lhe são feitas”.

Do outro lado, entre os seus amigos e apoiantes de sempre, vivia-se “um dia muito triste” (Renato Sampaio). Já António Campos, fundador do PS, gritava palavras de revolta: “Ao juntarem-se [a direcção do PS] aos que julgam Sócrates na praça pública traíram tudo o que o partido é. Tiveram um comportamento antidemocrático. Em vez de estarem a defender a democracia, estão a ser coveiros da democracia.”

Trinta e sete anos depois de chegar ao PS, o homem que se apresentou à justiça “um pobre provinciano que andou na política durante uns anos” bateu com a porta. Mais uma vez com estrondo. Com Margarida Gomes, Leonete Botelho e Liliana Valente

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