Ministério Público quer levar ex-presidente da Associação de Professores de Português a julgamento

Ministério Público concluiu que Edviges Ferreira, ao divulgar previamente conteúdos do exame de Português do 12.º ano, em 2017, terá praticado "um crime de violação de segredo por funcionário" e "um crime de abuso de poder”.

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Conteúdos do exame de Português foram divulgados nas redes sociais sergio azenha

A ex-presidente da Associação de Professores de Português, Edviges Ferreira, foi constituída arguida no âmbito do processo de inquérito aberto pelo Ministério Público (MP) à fuga de conteúdos do exame de Português do 12.º ano, ocorrida em 2017, informou nesta sexta-feira a Procuradoria-Geral da República (PGR).

Sem mencionar o nome da arguida, a PGR informa, numa nota publicada no seu site nesta sexta-feira à tarde, que o MP requereu o julgamento da "professora de Português" que "enquanto Representante da Associação de Professores de Português, foi designada para, em nome desta, auditar as provas" daquela disciplina no ano lectivo de 2016/2017. Em causa, diz o MP, está a "prática de um crime de violação de segredo por funcionário e de um crime de abuso de poder”.

Na altura em que ocorreu a fuga, Edviges Ferreira era presidente da Associação de Professores de Português (APP), cargo em que foi substituída em Fevereiro deste ano com o objectivo de “evitar uma maior exposição e assim protegê-la”, esclareceu ao PÚBLICO a actual líder da APP, Filomena Viegas.

Na nota do MP, refere-se que a docente, “enquanto representante da Associação de Professores de Português, foi designada para, em nome desta, auditar as provas da disciplina de Português no ano lectivo 2016/2017”, que foram elaboradas pelo Instituto de Avaliação Educativa (Iave), responsável pela elaboração e aplicação dos exames.

O MP prossegue, lembrando que “nesse âmbito, a arguida acedeu ao conteúdo das provas, que auditou, tendo assumido a obrigação de manter segredo sobre os mesmos, ciente que tal segredo a impedia de os divulgar em qualquer circunstância e a quem quer que fosse”.

Do inquérito que instaurou em Junho de 2017 e que foi agora dado como concluído, o Ministério Público concluiu que a agora arguida “transmitiu a uma aluna, a quem dava aulas a título oneroso, os temas sobre os quais iam versar as provas” do exame de Português do 12.º ano. O MP frisa que tal aconteceu apesar de a docente saber que estava obrigada a segredo e também que as funções de auditoria que exercia no Iave “eram incompatíveis com a leccionação de aulas a título particular a alunos que iam submeter-se ao exame nacional de Português do 12.º ano”.  

A existência de uma fuga foi tornada pública nas vésperas da realização do exame, em 19 de Junho passado, depois de ser conhecida uma gravação áudio de uma suposta aluna, que circulou  a rede WhatsApp alguns dias antes da prova, dando conta de conteúdos que acabaram por sair. Como anunciado nesta gravação, o autor escolhido foi Alberto Caeiro e o tema da composição também coincidiu. Foi sobre a importância da memória.

O que se dizia na gravação era o seguinte: "Ó malta, falei com uma amiga minha cuja explicadora é presidente do sindicato de professores, uma comuna, e diz que ela precisa mesmo, mesmo, mesmo e só de estudar Alberto Caeiro e contos e poesia do século XX. Ela sabe todos os anos o que sai e este ano inclusive. E pediu para ela treinar também uma composição sobre a importância da memória...” 

Segundo o MP, “com tal conduta, a arguida, violou as regras da leal e correcta avaliação de conhecimentos e capacidades, em prejuízo do interesse público que subjaz ao normal funcionamento do sistema educativo de avaliação, beneficiando a aluna a quem dava explicações a título oneroso”.

Contactada pelo PÚBLICO, Edviges Ferreira disse apenas: “Não respondo a nada. Não falo com jornalistas."

Na altura em que a fuga foi conhecida, a então presidente da APP, também em declarações ao PÚBLICO, considerou a situação “bastante chocante”, adiantando contudo que esta lhe levantava dúvidas quanto à sua veracidade. “Acredito que tudo irá ser esclarecido”, acrescentou então.

Processo disciplinar

A ex-presidente da APP também está a ser alvo de um processo disciplinar, que foi instaurado pelo Ministério da Educação em Dezembro, depois de uma averiguação levada a cabo pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência (IGEC).

Na nota então divulgada, o ME escusou-se a adiantar pormenores sobre a docente alvo do processo, alegando que o caso se encontrava ainda em segredo de justiça. Já quanto aos alunos que realizaram o exame, referia que “não tendo sido possível apurar que o conhecimento da informação se tenha traduzido em benefício mensurável, a IGEC propôs, e foi aceite, que se aguarde a conclusão do processo disciplinar à docente para a aplicação de eventuais medidas." A maioria dos alunos que fez o exame de Português em Junho já se encontra a frequentar o ensino superior.

“Foi ainda instaurado um processo de inquérito para apurar se os procedimentos existentes no Instituto de Avaliação Educativa estão a ser devidamente seguidos”, acrescentou o ME.

O crime de violação do segredo por funcionário pode ser punido com a expulsão da administração e por uma pena de prisão até três anos. 

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