Dear White People, de volta à universidade de Winchester

A segunda temporada (ou o segundo volume) da série do Netflix criada por Justin Simien a partir do filme realizado por ele próprio em 2014 está aí para satirizar o racismo de uma universidade fictícia dos Estados Unidos.

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Duas ex-melhores amigas na segunda temporada de Dear White People Netflix

Chegaram esta sexta-feira ao Netflix, entre outros, A Little Help with Carol Burnett, o regresso da lenda cómica à televisão, ManHunt, um novo filme de crime de John Woo, o visionário realizador de Hong Kong, uma versão remisturada da famigerada e confusa quarta temporada de Arrested Development, e Anon um novo filme de Andrew Niccol com Clive Owen e Amanda Seyfried. Com tanto conteúdo, é natural que a segunda temporada de Dear White People, a série cómica criada por Justin Simien no ano passado a partir do seu filme homónimo de 2014, passe despercebida.

O que é pena. Dear White People é hilariante, ponderada e especialmente oportuna na forma como lida explicitamente com o tema do racismo. A série passa-se numa universidade fictícia ao estilo de Harvard ou Yale, Winchester, que funciona como um microcosmos da sociedade norte-americana. Enquanto a primeira temporada seguia essencialmente a mesma história do filme e foi feita antes de Donald Trump sequer ter sido eleito, esta nova leva de dez episódios, a que os criadores preferem chamar "segundo volume" em vez de "segunda temporada", mostra o que acontece depois e aborda directamente temáticas relacionadas com o momento que se vive nos Estados Unidos. E com a recepção à própria série, já que, quando o Netflix anunciou que ia ter algo com o nome Dear White People, choveram acusações de "racismo inverso", uma noção com a qual tanto o filme quanto a série gozam constantemente.

Cada episódio da série centra-se numa personagem diferente, mas a protagonista é Samantha White, uma estudante de cinema que no filme era interpretada por Tessa Thompson. Hoje, com Thompson cada vez mais famosa, é Logan Browning quem lhe dá corpo. White, que é mestiça, tem um programa de rádio chamado Dear White People, em que fala sobre racismo. As outras personagens incluem o presidente do corpo de estudantes e filho do reitor, Troy Fairbanks; Lionel Higgins, que escreve para o jornal universitário e está a descobrir-se enquanto homem negro e gay; a melhor amiga de Samantha, Joelle; ou Coco, a ex-melhor amiga de Samantha que prefere agradar às pessoas brancas que a rodeiam. Todos têm as suas próprias histórias e idiossincrasias, o que ajuda a expandir o que se pode ter em termos de representação afro-americana numa série de televisão, com várias perspectivas de vida diferentes a serem exploradas e examinadas.

A época anterior lidava com uma festa em blackface, em que os estudantes brancos pintavam a cara de negro, organizada pela revista satírica da faculdade, Pastiche (uma paródia da influente Harvard Lampoon), como protesto contra o programa de White, que por sua vez decidia reagir a tal acontecimento. As tensões exacerbam-se e levam a que um segurança aponte uma arma a Reggie Green, um estudante particularmente militante. Ao mesmo tempo, Lionel expõe as práticas racistas de poderosos doadores da faculdade.

Já esta temporada dedica-se a mostrar o que aconteceu depois dessa festa, com muitos alunos, brancos e negros, já acordados para os problemas de racismo do campus. Samantha lida com ataques na Internet (além de mulher, é negra, o que torna um dos alvos favoritos dos trolls), algo que comenta directamente as reacções exageradas à série que tiveram direito de antena no ano passado. Reggie, por sua vez, está com stress pós-traumático. Ao mesmo tempo, explora-se o passado, e especialmente o passado racial, de Winchester. 

Nesta temporada continuam também as paródias de programas de televisão. No ano passado havia um clone Scandal, este ano é Real Housewives, com direito a um cameo exagerado de Lena Waithe, a primeira mulher negra a ganhar um Emmy por escrita de comédia, com um episódio de Master of None. É uma série que reconhece a sua condição de série. Há muitas meta-referências, personagens a olharem directamente para a câmara e a comentarem nos seus diálogos as convenções televisivas que estão a ser usadas. Estes miúdos falam depressa, com piadas, disparando referências à cultura pop que às vezes nem os seus interlocutores percebem. Pode parecer exagerado ou forçado, mas são adolescentes, pessoas cujas personalidades estão a ser formadas, e não deixam de ter reacções realistas e humanas.

Sempre visualmente cuidadosa e resplandecente, a série é narrada, num toque bastante Wes Anderson, por Giancarlo Esposito, que não e só o Gus Fring de Breaking Bad, mas alguém que colaborou várias vezes com Spike Lee, uma influência clara, notória e assumida de Simien. Curiosamente, quase numa de o mestre imitar o aluno, Lee seguiu as passadas de Simien no ano passado: em Novembro, mais de 30 anos depois da estreia, transformou o seu próprio She’s Gotta Have It numa série do Netflix.

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