A utilidade questionável de Amália, a foca-robot

Será só a mim que a foca-robot Amália soa, de algum modo, redundante e, simultaneamente, de uma frieza extrema? O inventor refere que as pessoas associam a interacção com o robot à relação que tinham com um gato ou um cão no passado. Então, não será melhor fazê-lo com um ser vivo?

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Estefânia Barroso é professora por esse país fora. Cronista nas horas vagas.
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Estefânia Barroso é professora por esse país fora. Cronista nas horas vagas.

Tem sido apresentado nos últimos tempos em diversos meios de comunicação social um bichinho adorável, uma foca bebé, que dá pelo nome internacional de Paro, mas que em Portugal será conhecido como Amália. Mas quem é esta foca bebé que está a ser tão comentada? Quem é afinal a Paro/ Amália?

À primeira vista, parece que estamos a falar de um peluche que, depois de ligado, abre uns olhos enormes, vira a cabeça, responde quando se acaricia o pelo ou se fala na sua direcção e emite sons como se de um animal verdadeiro se tratasse. Mas o facto é que não é um animal verdadeiro. Trata-se de um robot com inteligência artificial criado por Takanori Shibata, no Japão, para ser utilizado com pessoas que sofram de demência. O uso do robot servirá para estimular memórias e melhorar a qualidade de vida daqueles que com ele interagirem.

O robot em questão já foi adoptado em mais de 30 países em terapias com pessoas dementes ou crianças autistas. Como Portugal não gosta de ser o último a saber e a receber as novidades, também está a pensar adoptá-lo. A foca está em fase de testes no Hospital de Ovar e já foi sabido que se os resultados forem positivos o Ministério está disposto a adquirir quantas focas-bebé-robot forem necessárias.

O primeiro robot do género em Portugal seguiu para a Casa de Saúde da Idanha, em Belas, Sintra, para estimular as memórias e melhorar a qualidade de vida de pessoas que perdem faculdades mentais. Os resultados, pelo que tenho visto, têm sido positivos. Doentes, que interagiram com a foca, referiram que “ela é uma fofura”, “só quem não tem coração é que não reage”, entre outras frases com conteúdos semelhantes, demonstrando que, de facto, não só tem havido interacção com o robot, como a mesma tem sido positiva, provocando troca de mimos e ternuras. O seu inventor defende ainda que Taro/Amália mais não é do que um “dispositivo médico” que, em sessões orientadas com terapeutas, pode reduzir problemas comportamentais ou psicológicos, melhorar a depressão, a ansiedade, a dor, o stress, a solidão e as perturbações do sono.

Isto é tudo muito bonito — e é mesmo, não estou a abusar da ironia — mas será só a mim que soa, de algum modo, redundante e, simultaneamente, de uma frieza extrema?

Passo a explicar: há muito que é reconhecido o potencial terapêutico do contacto com animais e há muito que é recomendado por especialistas. A terapia assistida com animais já é uma realidade há algum tempo. Terapias com cavalos, burros e golfinhos têm apresentado resultados inegáveis com crianças com necessidades educativas especiais e com pessoas que sofrem de demência. Contudo, são terapias que obrigam ao transporte do doente para um local particular, logo, mais difíceis de aplicar em lares de idosos.

Existem, no entanto, animais que são facilmente integrados no dia-a-dia dos lares e dos idosos, como cães e gatos, cujas capacidades terapêuticas já estão comprovadas, tanto em crianças com necessidades educativas especiais como com idosos. Está provado por inúmeros estudos que, apesar de não curarem, estas práticas ajudam a fomentar a interacção e as relações sociais, a recuperar a auto-estima, a afastar sentimentos de frustração, solidão, ansiedade e tristeza. Existem até estudos que referem que, por vezes, os animais conseguem comunicar melhor do que as pessoas com adultos com demência, uma vez que baseiam a sua interacção na leitura da linguagem corporal e não na linguagem verbal (por isso, tantas vezes dizemos que os nossos animais entendem quando estamos tristes e comportam-se de forma a combater a nossa tristeza).

Concluindo: os benefícios dos dois tipos de terapia são, sensivelmente, os mesmos. Relembrando: melhoria da depressão, da ansiedade, do stress, da solidão e, consequentemente, diminuição do número de fármacos ingeridos.

Os métodos utilizados nas terapias assistidas também são, sensivelmente, os mesmos que os referidos para o uso da foca Amália: sessões orientadas com terapeutas. Na terapia assistida, as interacções podem passar pela escovagem e limpeza do animal, pelo passeio com ele, pela brincadeira com bola, por comentar em grupo as interacções com o animal, pelo simples toque – acariciar o pelo. O que importa salientar é que nenhuma das terapias (com animais ou com a foca robot) dispensa a presença de terapeutas.

Aqui chegados, questiono: haverá alguma inovação nesta foca? Não vejo nenhuma a não ser o facto de se trocar um ser vivo por um ser inanimado. E tal facto leva-me à minha segunda observação: não será tudo isto demasiado frio, demasiado “robótico”? O inventor de Paro refere que as pessoas associam a interacção com o robot à relação que tinham com um gato ou um cão no passado ou à experiência de cuidar de uma criança. Então, não será melhor fazê-lo com um ser vivo? Não faltam animais em Portugal e muitos (imensos) iriam agradecer esta oportunidade de vida!

Quanto àqueles que já pensam em termos de custos, refiro que o robot está orçamentado em cinco mil euros e não descarta a necessidade de técnicos a trabalhar com ele. Não valerá a pena investir em animais e em terapias assistidas mais do que em seres inanimados? Não será mais proveitoso para todos (seres humanos e animais) a interacção com seres vivos do que com este robot?

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