A hegemonia britânica

No Reino Unido, vai ser criada uma tara recuperável para garrafas e latas de bebidas de plástico, vidro e metal. Os consumidores passam a pagar um depósito na compra destas bebidas, que lhes será restituído na devolução das embalagens usadas

Matt Milton/Unsplash
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Ana Marreiros vive em Lisboa e trabalha em comunicação. É atenta ao que se passa à sua volta
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Ana Marreiros vive em Lisboa e trabalha em comunicação. É atenta ao que se passa à sua volta

Nunca esqueci este título dos manuais do secundário: a hegemonia britânica. Lembro-me perfeitamente da professora de História explicar, com entusiasmo, o quanto a nossa vida estava moldada pelo sucesso económico que a Inglaterra viveu no final do século XVIII.

Se é certo que esta hegemonia nos trouxe muita qualidade de vida, é altura de reconhecer que exagerámos e que temos de parar, pensar e actuar. Rápida e eficazmente. As revoluções agrícola e industrial de outrora impulsionaram um mundo melhor. No entanto, as evidências de que a evolução destes feitos está a comprometer o bem-estar do Homo sapiens sapiens são imensas.

Nas últimas semanas recordei a hegemonia britânica porque, em "terras de Sua Majestade", as iniciativas eclodem a um ritmo frenético. Os hegemónicos estão de volta. Querem continuar a dar cartas ao mundo. Desta feita tentam encontrar soluções para os desafios globais, comprometidos em deixar um mundo aprazível para as gerações dos nossos filhos e netos. Outrora gigantes a ditar a evolução do mundo, quem sabe se nas próximas décadas não serão colossais no desenvolvimento sustentável.

Em Janeiro de 2018 lançaram o Plano Ambiental do Reino Unido, um roteiro pensado a 25 anos. No que toca aos plásticos, o plano prevê a abolição do uso de sacos de plástico que ainda subsistem nas pequenas lojas, a implementação de corredores nos supermercados onde os produtos são expostos a granel em vez de serem embalados em plástico e o fim dos resíduos de plásticos descartáveis até 2042. O plano quer também garantir que a preservação da biodiversidade passe a ser obrigatória na construção de novos empreendimentos comerciais ou residenciais, a conservação de zonas marinhas para espécies de sobrepesca, a criação de 500 mil novos hectares de habitat selvagem para evitar a perda de espécies selvagens e a plantação de 11 milhões de árvores que maximizem benefícios para a vida selvagem e capturem carbono. Está ainda prevista a criação de um novo corpo governamental que vigie e assegure padrões de qualidade de ar, água e solo.

De Janeiro até então, as medidas e anúncios multiplicaram-se. A promessa de abolir o uso de micro grânulos de plástico na produção de produtos de higiene pessoal e cosmética feita em 2016 teve efeito pleno no início de 2018 — os produtores foram proibidos de adicionar micro grânulos a produtos como esfoliante, pasta dos dente e gel de banho. A proibição da venda de produtos com micro grânulos virá até ao final de 2018.

Vai ser criada uma tara recuperável para garrafas e latas de bebidas de plástico, vidro e metal. Os consumidores passam a pagar um depósito na compra destas bebidas, que lhes será restituído na devolução das embalagens usadas. Países como a Alemanha e Suécia, onde estes sistemas já existem, tiveram excelente apoio e resposta do público e foram um sucesso na eliminação de resíduos.

O Reino Unido quer banir o uso de palhinhas, stirrers (palitos de plástico para cocktails) e cotonetes. Está a ser considerada a aplicação de uma taxa de 25 pence em cada copo de café descartável, suportada pelo consumidor. A possibilidade da proibição da venda de materiais plásticos descartáveis está em cima da mesa.

No mês passado a primeira-ministra britânica, Theresa May, lançou a Commonwealth Clean Oceans Alliance, um acordo entre os Estados-membros no combate à poluição dos plásticos e anunciou um fundo de 61 milhões de libras para desenvolver novas formas de limpar os plásticos dos oceanos. Os líderes dos 52 países que integram a Commonwealth foram convidados a integrar a aliança. Gana, Nova Zelândia, Sri Lanka e Vanuatu aceitaram o repto e comprometeram-se em banir os micro grânulos dos produtos de higiene pessoal e cosmética e a eliminar o uso de sacos de plástico até 2021.

Também em Abril foi lançado o Pacto de Plástico do Reino Unido (em inglês, The UK Plastics Pact), iniciativa que reúne empresas da cadeia de valor dos plásticos, governos do Reino Unido e organizações não-governamentais com vista a combater os resíduos plásticos. Em conjunto, as mais de 40 empresas que englobam o pacto são responsáveis por mais de 80% das embalagens de plástico dos supermercados britânicos. O pacto tem quatro objectivos até 2025: que 100% das embalagens de plástico sejam reutilizáveis, recicláveis ou passíveis de compostagem; que 70% das embalagens de plástico sejam efectivamente recicláveis ou passíveis de compostagem; que se elimine o uso de plásticos descartáveis através de ações de redesign, inovação ou modelos alternativos, como a reutilização; por fim, conseguir que as embalagens de plástico incluam, em média, 30% de material reciclado.

O Pacto de Plástico do Reino Unido pode vir a gerar uma mudança fundamental na forma como projectamos, produzimos, usamos, reutilizamos, descartamos e reprocessamos o plástico. Outra boa notícia é que, depois do Reino Unido, o Chile anunciou que se prepara para lançar um pacto semelhante no final deste ano. Se isto não é uma guerra ao plástico, não sei o que será.

Vejo também com bons olhos o abanão que estas iniciativas estão a dar ao sistema financeiro. Depois do anúncio do Pacto de Plástico do Reino Unido, a agência de rating Moody’s antecipou que outros governos comecem a aplicar novas taxas ou impostos de forma a pressionar as empresas de embalagens de plástico. A Moody’s aconselhou os produtores a reduzir o desperdício de plástico, a utilizar mais materiais reciclados no fabrico, a melhorar a capacidade de reciclagem e de transparência nas características dos produtos.

Por terras lusas, em Fevereiro de 2018, a Assembleia da República recomendou ao Governo que avaliasse o impacto e a origem dos microplásticos no ambiente e na comida do país, mas as medidas continuam no segredo dos deuses.

Voltemos ao Reino Unido. Que bom os hegemónicos estarem de volta. Para mais uma revolução. Uma revolução em prol do desenvolvimento sustentável e da conservação do espécime Homo sapiens sapiens. Uma vez hegemónico, hegemónico para sempre. Que tal desejarmos e exigirmos um pouco desta hegemonia para Portugal?

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