Teria de ser diferente

A proposta da Comissão é moderada. Quer “deixar a sua marca”, antes de terminar o mandato, provando que ainda resiste aos ventos de uma crise que transferiu quase todo o poder para o Conselho Europeu.

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Negociar as perspectivas financeiras da União Europeia é sempre um exercício muito difícil. Desta vez, estão reunidas as condições para o ser ainda mais. A saída de um país da União Europeia é algo absolutamente inédito, sobretudo quando esse país é um dos “três grandes”, com uma contribuição líquida assinalável para o orçamento comunitário e um parceiro fundamental, quando se trata de questões que estão fora do perímetro orçamental mas representam muito dinheiro, como é o caso da segurança e defesa.

A segunda circunstância nova é o estado ainda debilitado de uma União Europeia que está apenas a sair da sua mais grave crise de sempre. Abriram-se, nos últimos dez anos, feridas e divisões ainda longe de estarem saradas. Em alguns países, a crise, somada ao fluxo de refugiados, teve como resultado uma atitude muito mais renitente sobre qualquer proposta que implique mais integração ou mais dinheiro. A Holanda é um dos exemplos mais paradigmáticos, mas não é único. Além disso, muita coisa teria de ser necessariamente diferente, porque a Europa tem hoje novas prioridades politicas que antes da crise não tinham o mesmo peso. A defesa e segurança, a imigração e o controlo da fronteira externa, a ajuda ao desenvolvimento, a aposta na economia digital são apenas alguns exemplos. Conjugar esses novos domínios com as velhas políticas de coesão nunca seria fácil.

Como era de prever, de Norte a Sul, as reacções foram quase todas de protesto. É a posição de partida para as futuras negociações. Não é a última palavra. A proposta da Comissão é moderada. Quer “deixar a sua marca”, antes de terminar o mandato, provando que ainda resiste aos ventos de uma crise que transferiu quase todo o poder para o Conselho Europeu.

Curiosamente, ou talvez não, de Berlim não vieram críticas à proposta da Comissão. A Alemanha reconhece que vai ter de pagar mais. Mas Juncker também pode ajudar a chanceler a resolver uma das principais divergências com a França sobre a reforma da zona euro. A Comissão propõe a criação de dois “fundos”, que podem corresponder ao que seria um orçamento próprio da zona euro. Um Fundo de Estabilização Macroeconómica, para ajudar rapidamente países que sofram choques externos, sem condições prévias (30 mil milhões). Um Programa de Suporte às Reformas Estruturais (25 mil milhões) para preencher outra das funções que Portugal, por exemplo, tem defendido: financiar reformas nos países do euro menos competitivos, de forma a atenuar os seus custos imediatos. Merkel admite que um “pequeno orçamento” para a zona euro podia integrar o orçamento comunitário. Juncker tem a mesma opinião, argumentado que seria mais um factor de divisão entre os países do euro e os outros. É preciso esperar para ver como a França vai reagir. Por enquanto, os protestos de Paris limitam-se à tão amada PAC, em relação à qual nem Macron conseguiu uma mudança de perspectiva. Estamos apenas a assistir às primeiras salvas.

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