A voz dos comandantes de Pedrógão. O que diz quem combateu o incêndio

Augusto Arnaut, Mário Cerol e Albino Tavares foram os primeiros comandantes do incêndio e têm estado em silêncio. Auditoria revela o contraditório dos homens que estiveram debaixo de fogo.

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O segundo comandante nacional, Albino Tavares, foi para o teatro de operações pelas 22h ANTÓNIO COTRIM

“É neste momento que o posto de comando é inundado com pedidos de socorro muito diversos. Os meios existentes são completamente insuficientes para acorrer a todas as situações. Há meios que accionados muito anteriormente ainda não estavam no teatro de operações. Existem aviões a abastecer na Barragem do Cabril, porém estão afectos a outra ocorrência”. A descrição é do 2º comandante distrital de Leiria, Mário Cerol, quando chegou ao comando do incêndio pelas oito da noite. Nela, condensa o desespero que se foi sentindo em Pedrógão Grande: sem meios, sem conhecimento do que se passava, sem comunicações e sem o domínio do fogo.

Foram atacados durante meses na praça pública e mantiveram o silêncio. Mário Cerol, segundo comandante distrital de Leiria, e Augusto Arnaut, comandante dos bombeiros de Pedrógão Grande, são os únicos arguidos do processo judicial e por isso têm evitado dizer em público o que lhes aconteceu naquele dia. O relatório da Direcção Nacional de Auditoria e Fiscalização (DNAF), a que o PÚBLICO teve acesso, mostra que aqueles homens tinham dificuldade em perceber onde andava o incêndio e com que gravidade, e que nas primeiras horas conseguiram apenas ser “reactivos”. 

Augusto Arnaut contou aos auditores que ao início da tarde conseguiu perceber que “o incêndio tinha proporções enormes” e que perante o que viu pediu “mais meios”. Nas inscrições da linha do tempo, Arnaut foi fazendo esses pedidos sempre com a mesma indicação de que o incêndio lavrava “com intensidade”. Na sua preocupação, a meio da tarde, estava, de acordo com a DNAF, a protecção da vila de Pedrógão Grande e foi isso que comunicou a Mário Cerol, que lhe sucedeu no comando das operações.

Este homem recebeu uma situação caótica e a agravar-se: “Cerca das 20h10, o incêndio toma novas proporções, descontrolando-se, tomando novo rumo, passando a arder em todas as direcções”, contou Cerol à DNAF.

Arnaut confirma esta visão, apesar de os testemunhos terem sido recolhidos com dias de diferença: “Os pedidos de socorro eram muitos e estávamos perante uma calamidade”.

Uma das dificuldades para estes homens era saber, na realidade, onde andava o fogo. A partir do final da tarde, “a localização do incêndio só era perceptível pelos pedidos de socorro que chegavam”, conta Arnaut.

Outra das dificuldades eram as falhas na comunicação. Cerol relata que a dada altura os problemas eram tais, por causa do colapso da rede de emergência nacional, SIRESP, e das redes convencionais, que houve um comandante de sector que teve de ir pessoalmente ao posto de comando explicar o que se passava, “informando que perdeu o controlo da situação e que teve, por questões de segurança, de retirar os seus homens”, passando apenas a defender povoações.

Essa passou a ser a principal preocupação: defender as populações, mesmo que àquela hora não se soubesse ainda que a maior calamidade estava para ser descoberta. Não se sabia das mortes que estavam naquele momento a acontecer a escassos quilómetros. “Não foi pensado nenhum plano de evacuação dos aglomerados populacionais, dado o socorro estar a ser efectuado conforme as solicitações. Vivia-se uma situação de reacção, não existindo pró-actividade”, conta Cerol.

O cenário dantesco só se começaria a descobrir pelas 22 horas, quando o segundo comandante nacional, Albino Tavares, foi para o comando da operação a pedido do então comandante nacional, Rui Esteves. “Fui informado que a situação se encontrava muito difícil” que havia uma série de situações em curso como o resgate de cinco bombeiros e que havia uma criança desaparecida.

Tudo se complicaria em minutos. Este responsável da Protecção Civil conta que a sua intenção era dispor os meios para acudirem aos pedidos de socorro ao passo que eram conhecidas as primeiras mortes:  “Concentrei a estratégia na evacuação e/ou protecção de vários aglomerados populacionais (alguns constituídos por casas isoladas), dado que a situação se mantinha complexa relativamente àqueles, acrescendo a isto o facto de que se continuavam a encontrar cadáveres”.

Tendo a atenção focada no socorro às vítimas e aldeias, relata, àquela hora, “o incêndio encontrava-se a arder livremente em várias direcções, sem que houvesse operacionais suficientes para tentar o combate às chamas”.

Nestes relatos, é referida várias vezes a falta de meios. Em causa está o facto de haver uma discrepância entre os meios que estão no terreno e aqueles que foram mobilizados, mas que não chegavam a tempo. 

O relatório sintetiza os depoimentos que 26 responsáveis deram na DNAF. Contudo, depois do incêndio de Pedrógão Grande foi estabelecida informalmente uma lei da rolha na Protecção Civil (ANPC). A própria ANPC retrai-se desde então em explicações e, de entre as que deu, houve algumas que só chegaram ao público por fugas de informação. O mesmo acontece com este relatório de auditoria.

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