“Devia haver três ou quatro vezes mais enfermeiros do que médicos”

"Uma das irracionalidades totais do nosso sistema é que existem mais ou menos tantos médicos como enfermeiros" nos serviços, afirma José Caldas de Almeida no ensaio A Saúde Mental dos Portugueses, que esta quarta-feira é lançado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

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"Temos uma prevalência muito elevada de doenças mentais", diz José Caldas de Almeida NUNO FERREIRA SANTOS

Diz que na saúde mental há quase tantos médicos como enfermeiros, o que está errado. Porquê?
Uma das irracionalidades totais do nosso sistema é que existem mais ou menos tantos médicos como enfermeiros, quando devia haver três ou quatro vezes mais enfermeiros do que médicos. Este é um problema enorme que inviabiliza completamente a reforma da saúde mental. Precisamos de equipas multidisciplinares integradas, com médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais, com uma boa articulação com os clínicos gerais. Uma das perversões é que há uma distorção muito grande na composição dos recursos humanos. Temos um rácio aceitável de psiquiatras, mas há uma falta enorme de enfermeiros e também precisaríamos de mais psicólogos. 

No ensaio recorda um estudo da Entidade Reguladora da Saúde que concluiu que o acesso dos portugueses aos serviços de saúde mental é reduzido. Continua a ser assim?
Esse é um fenómeno que é universal, não é um problema só português. Se for comparar o acesso das pessoas que têm diabetes ou outro tipo de doenças [aos serviços de saúde públicos] não encontra casos tão escandalosos. Na saúde mental, ainda há uma enorme percentagem de pessoas que não têm acesso. Mas o grau de acesso depende muito da gravidade. Enquanto as pessoas com doenças mais graves têm cobertura maior, as pessoas com perturbações ligeiras têm um grau muito menor de acesso. Outro problema é que por vezes as pessoas têm acesso mas não encontram serviços com a qualidade que seria exigível. Temos, portanto, um problema de acesso e um problema de qualidade. Por exemplo, alguns serviços não estão organizados para assegurar consultas frequentes. Os doentes têm uma depressão e são vistos duas ou três vezes...Uma pessoa com uma depressão tem que ser tratada durante vários meses, e, se não vier às consultas, tem que ser chamada, nalguns casos é preciso mesmo ir a casa dos doentes.

Refere também um estudo que indica que 42% das pessoas que foram a um serviço de urgência tinham tentado antes marcar uma consulta, sem sucesso.
O que estes dados mostram é que muita gente que teve alta de um internamento psiquiátrico volta a aparecer porque fez esforços para ser vista entretanto mas não conseguiu uma consulta. É preciso haver uma continuidade de cuidados. Nestes casos, os serviços de urgência não são solução.

Defende ainda que continua a ser muito elevado o consumo de ansiolíticos e de antidepressivos em Portugal.
Por um lado, isto é uma consequência de termos uma prevalência muito elevada de doenças mentais. Mas também tem a ver com a dificuldade dos serviços darem resposta a nível de intervenções psicológicas, sociais. Portanto, fica tudo muito centrado só na prescrição de medicamentos. A desorganização dos serviços leva também a um exagero de consumo de medicamentos.

Mas os especialistas sublinham que o que é preciso limitar é a prescrição de ansiolíticos, mais do que a de antidepressivos.
Sim, mas as boas práticas indicam que não basta prescrever antidepressivos. Os melhores resultados são encontrados quando os antidepressivos são dados de uma forma coordenada com outras intervenções psicossociais, como a psicoterapia. Tudo tem de ser feito de forma integrada.

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