Um silêncio estrondoso

O que diz António Costa, actual líder do PS e primeiro-ministro? Tanto quanto Pinho, isto é, nada. O seu silêncio também é estrondoso.

A notícia sobre os recebimentos não declarados de Manuel Pinho quando era ministro da Economia no governo de José Sócrates entre 2005 e 2009 está a transformar-se num tsunami que pode causar dano à democracia portuguesa. Segundo revelou o Observador, Pinho recebeu nessa altura, através de um esquema de offshores, a quantia de 14.963,94 euros por mês, num total de cerca de meio milhão de euros, sendo esta apenas uma parte dos 2.110.672,80  euros recebidos entre 2002 e 2014. A proveniência é o chamado “saco azul” do BES, banco para o qual Pinho trabalhou antes e depois de ser ministro e que era accionista da EDP, empresa que terá beneficiado. O recebimento por um ministro de uma quantia destas viola a mais elementar ética política. O caso é decerto judicial, mas é primeiro que tudo político. Se um membro do governo tinha uma remuneração extra num valor que excedia largamente o seu salário, isso significa que o servidor do Estado servia a mais alguém, que parece estar acima do Estado. É a credibilidade do sistema político que está em causa.

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A notícia sobre os recebimentos não declarados de Manuel Pinho quando era ministro da Economia no governo de José Sócrates entre 2005 e 2009 está a transformar-se num tsunami que pode causar dano à democracia portuguesa. Segundo revelou o Observador, Pinho recebeu nessa altura, através de um esquema de offshores, a quantia de 14.963,94 euros por mês, num total de cerca de meio milhão de euros, sendo esta apenas uma parte dos 2.110.672,80  euros recebidos entre 2002 e 2014. A proveniência é o chamado “saco azul” do BES, banco para o qual Pinho trabalhou antes e depois de ser ministro e que era accionista da EDP, empresa que terá beneficiado. O recebimento por um ministro de uma quantia destas viola a mais elementar ética política. O caso é decerto judicial, mas é primeiro que tudo político. Se um membro do governo tinha uma remuneração extra num valor que excedia largamente o seu salário, isso significa que o servidor do Estado servia a mais alguém, que parece estar acima do Estado. É a credibilidade do sistema político que está em causa.

Pinho, se estivesse a ser injustiçado, só tinha uma atitude: desmentia, imediata e categoricamente, a notícia. Não o fez: o seu silêncio é estrondoso, faz muito mais barulho do que se falasse. Algumas vozes do PS, partido em cujas listas ele foi eleito deputado em 2005, foram dizendo o óbvio. Primeiro a deputada europeia Ana Gomes disse que o PS devia reflectir sobre como “se prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos” e depois o presidente e líder parlamentar Carlos César disse que a situação é “incompreensível e lamentável.” O PSD apareceu a seguir, pedindo a comparência de Pinho no Parlamento. Na sequência, o BE, logo apoiado pelo PS e PCP, propôs uma Comissão de Inquérito que escrutinasse as medidas do Ministério da Economia, designadamente na sua relação com a EDP pois tudo indica que o Estado tem estado a pagar rendas excessivas de energia. O advogado de Pinho informou que o seu constituinte aceita prestar declarações ao Parlamento (onde se distinguiu a fazer corninhos!), mas só depois de ser ouvido pelo Ministério Público, o que vai acontecer sabe-se lá quando. Invocou razões ponderosas, que não podia divulgar, para o ex-ministro se quedar mudo e calado. Pinho não percebe que a questão é política para além de judicial, sendo diferentes os meios e os prazos da política e da justiça. E não percebe que o seu silêncio prejudica o PS e, claro, o regime.

José Sócrates, acusado de também ter recebido dinheiros do referido “saco azul”, nada disse até à data sobre os recebimentos indevidos do seu ministro. Os dois partilham segredos de uma governação “incompreensível e lamentável” para não dizer “corrupta e criminosa,” para citar as poucas vozes que procuram salvar a honra do convento. Os dois fazem parte da mesma rede. Para ver como funcionam as redes de influências vale a pena escutar este diálogo telefónico entre Sócrates e Pinho, em que o segundo tenta obter o apoio do primeiro para montar um duvidoso “intercâmbio académico” em Nova Iorque. Na conversa, de Abril de 2014, Sócrates refere Lula (Observador, 21/3/2018):

MP: É o seguinte: fazer aqui um… programa que envolva países de língua de expressão portuguesa, não é? Ou seja… (…) Oh pá, são 10 dias… eh pá, de… lavagem ao cérebro, pá, convivem com a malta, pá…

JS: Sim, mas quem financia isso?

MP: O que é que eu preciso? Eu preciso de um financiador brasileiro (…)

JS: Mas portanto isso, você precisa do Instituto Lula… Lula da Silva e de uma grande empresa brasileira, que financie isso, não é?

MP: (…) Quantos tipos do PS têm uma experiência destas, de uma semana ou duas nos Estados Unidos onde vão à Bolsa, vão aos museus, vão às galerias, têm umas aulas porreiras, isto e aquilo?”

O que diz António Costa, actual líder do PS e primeiro-ministro? Tanto quanto Pinho, isto é, nada. O seu silêncio também é estrondoso. Tem valido – não sei bem como – a ideia de que o PS nada tem a ver com o caso Sócrates. Mas agora acresce o caso Pinho. Ou o PS se afasta de Sócrates e Pinho, ou fica com a honra manchada. Um fantasma ainda pode caber num armário. Dois já não.