PS forçado a discutir Pinho e energia no Parlamento

Rui Rio lançou a ideia de ouvir o ex-ministro de José Sócrates na Comissão de Economia, mas o Bloco de Esquerda alargou o âmbito da audição e propôs uma comissão de inquérito sobre as rendas da energia. PS aprova e CDS viabiliza.

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Manuel Pinho vai ser chamado ao Parlamento para responder sobre o período em que foi ministro da Economia de José Sócrates IVO PIRES

O PS foi forçado a discutir no Parlamento quer os eventuais recebimentos ilícitos de verbas do Grupo Espírito Santo (GES) pelo ex-ministro da Economia Manuel Pinho, quando integrou os governos de José Sócrates, quer a sua actuação em matéria de rendas da energia. E se, o primeiro caso, surgiu na sequência de um pedido do presidente do PSD, Rui Rio, o segundo surgirá, porém, diluído numa investigação mais lata à gestão das rendas feitas pelos governos de Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, que será o tema de uma comissão de inquérito solicitada pelo BE.

Depois de Rui Rio ter anunciado, no domingo, que queria ouvir Pinho sobre eventuais recebimentos ilícitos durante o seu mandato como ministro, na manhã de segunda-feira o líder parlamentar do PS, Carlos César, aceitou o repto. Assim como declarou o apoio à comissão de inquérito anunciada ao fim da manhã pelo BE.

O PS aceitava assim ir a jogo neste debate depois de ter permanecido em silêncio durante dez dias, sem reagir à declaração da eurodeputada Ana Gomes, a 21 de Abril, no Twitter: “O @psocialista não pode continuar a esconder a cabeça na carapaça da tartaruga. Próximo Congresso é oportunidade para escalpelizar como se prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos. Pela regeneração do próprio PS, da política e do país.” Contudo, nem a audição a Pinho pedida por Rio, nem a comissão de inquérito deverão ver a luz do dia antes do 22º Congresso do PS, que decorre entre 25 e 27 de Maio.

Rio impõe tema

Ao fim de dois meses como líder, Rio quebrou um princípio que vigorava há muito no PSD: não puxar para a política casos que estão a ser tratados pela justiça. Já o CDS mantém a linha de separação entre justiça e política, que definiu como intransponível desde a investigação ao caso dos submarinos. Os centristas não tiveram a iniciativa, mas viabilizam a comissão de inquérito.

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Os alegados recebimentos por Pinho do “saco azul” do GES já tinham sido discutidos na reunião da comissão política do PSD a semana passada, apurou o PÚBLICO. O caso também foi debatido na direcção do CDS que optou, no entanto, por não agir.

A direcção do PSD decidiu esperar alguns dias por explicações de Pinho, o que não aconteceu, levando a que Rio pedisse a audição parlamentar. Seria uma sessão para quebrar um “silêncio pesado” em torno das alegadas suspeitas do ex-ministro de Sócrates, alegou o líder do PSD, defendendo que Pinho deve explicações do ponto de vista político e que isso é independente do processo judicial.

Aliás, a direcção do PSD considera que esta iniciativa pode até ser complementar com o trabalho judicial. Na mira do PSD estão apenas as alegadas transferências para uma offshore do ex-ministro noticiadas pelo Observador, que consultou um despacho que consta nos autos da EDP. Para o PSD, trata-se de um problema ético e político.

No requerimento, o PSD "convida" Pinho a esclarecer com a “urgência possível” as decisões tomadas no âmbito da área que tutelava, a energia, e a sua ligação ao GES, depois de se terem produzido “algumas acusações muito graves”. No texto, os deputados começam por recordar a área que Manuel Pinho tutelou entre 2005 e 2009 – a energia – e as transformações operadas no sector nesse período. Sem nunca se referirem directamente às alegadas transferências financeiras do GES para uma offshore do ex-ministro.

O requerimento deu entrada na comissão parlamentar de Economia e refere-se às “suspeitas”, considerando que podem “estar em causa todo o processo de decisão ao nível da governação, a lisura, a independência e a transparência com que os mesmos devem sempre decorrer, deixando perdurar uma dúvida inaceitável sobre todos os que prestam serviço público”.

Depois de Carlos César assumir que o PS viabilizava o pedido de audição, foi a vez de Pinho, através de uma nota do seu advogado, declarar estar disponível para falar no Parlamento após ser ouvido pelo Ministério Público, o que não tem data conhecida. Curioso é o facto de o processo em que Manuel Pinho é arguido ter a ver com a investigação à transformação dos contratos de aquisição de energia (CAE) da EDP em CMEC (custos para a manutenção do equilíbrio contratual).

BE não combinou

Poucas horas depois da disponibilidade dos socialistas, o BE propôs uma comissão de inquérito com uma força e um âmbito mais abrangente do que a proposta do PSD. Os bloquistas pretendem investigar as rendas que foram “lançadas no governo de Durão Barroso, aprovadas no governo de Santana Lopes e aditivadas em 2007 no governo de José Sócrates com Manuel Pinho como ministro da Economia”, segundo o deputado e dirigente deste partido Jorge Costa. Rio escusou-se a comentar em concreto a proposta bloquista, alegando que se recusa a entrar em “competições mediáticas”.

O PÚBLICO sabe que o BE não concertou nem sequer conversou com o PS ou com o Governo ao avançar com esta iniciativa parlamentar. A decisão foi autónoma e insere-se na estratégia que o BE tem seguido há anos sobre as rendas da energia, explicou um dirigente bloquista. Isto não impede, afirmou o mesmo responsável, que no futuro e depois da comissão de inquérito instalada, o BE não esteja disponível para agir em coordenação com os socialistas.

O âmbito do inquérito proposto pelo BE é não só mais amplo do que a proposta de audição apresentada pelo PSD como também implica que Pinho seja mesmo obrigado a comparecer no Parlamento. Essa abrangência no inquérito foi sublinhada pelo PS, através do vice-presidente Carlos Pereira, que recusou uma “comissão de inquérito ao caso Manuel Pinho”.

Foi quase ao final do dia que o PCP quebrou o seu silêncio sobre o assunto. Numa nota à comunicação social, os comunistas envolveram no caso o actual presidente executivo da EDP, António Mexia, que foi ministro de Santana Lopes.

O PCP defende que o âmbito da investigação no Parlamento deve ser ainda mais alargado: "A questão coloca-se, além da investigação criminal, no plano político” e “é indissociável do processo de privatizações, da submissão às imposições externas, da recuperação do poder monopolista e da sua relação com a crescente subordinação do poder político ao poder económico”.

Por isso, os comunistas querem que seja investigado "o conjunto de ligações entre sucessivos governos e as principais empresas e grupos económicos, não apenas no sector eléctrico mas também em sectores como a banca, correios, telecomunicações ou transportes”.

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