No coração das canções de Sean Riley

California é uma janela que Sean Riley nos abre para a música que existe nele no momento em que a canção nasce.

Foto
California é uma curta carta confessional enviada de si para si

Um homem e uma guitarra. É só isto. Ou melhor, um homem em viagem, guitarra numa mão, mala na outra. É só isto? Não, ainda não é só isto. Um homem em viagem, mala atirada para um canto do quarto do motel perdido na imensidão da paisagem californiana. A noite avança e a guitarra está nas mãos do cantor que, lá longe, aproveita o recolhimento para verter em canção os pensamentos que lhe assaltam a mente. É isto, então: Sean Riley, mais de uma década depois de se nos apresentar acompanhado pelos Slowriders, a regressar ao início — um homem e uma guitarra e o que fazem os dois em recolhimento, sós com os seus pensamentos.

California é o primeiro disco a solo de Afonso Rodrigues, o leiriense que conhecemos primeiro nos Sean Riley & The Slowriders e, mais tarde, no rock’n’roll vertiginoso dos Keep Razors Sharp. É um pequeno disco de seis canções — e uma despedida com história —, gravado on the road em quartos de motel na Califórnia. Afonso fora ao encontro de Paulo Furtado, que ali preparava Misfit, o álbum mais recente de Legendary Tigerman, e Fade into nothing, o filme que nasceu em paralelo ao disco. California é o resultado da viagem que fizeram depois do encontro americano. O título aponta o espaço em que a música nasceu, mas, apesar de a canção que abre o disco se intitular L.A., é menos a California e mais o âmago da criatividade de Sean Riley que aqui ouvimos.

Desde o início, em Farewell, o álbum de estreia de Sean Riley & The Slowriders”, que lhe conhecemos e escrita, feita de personagens em viagem, em fuga de qualquer coisa, à procura de qualquer coisa, feita de desejos confessados de madrugada, quando ninguém mais ouve o que diz o cantor, feita da tradição singer-songwriter que foi folk e country, que lhe juntou o sufixo rock antes de expandir noutras direcções. Ouvimos o homem assombrado por um amor perdido, alma penada de olhos insuportavelmente cansados enquanto procura uma qualquer fé (16 days), ouvimo-lo murmurar a insatisfação que tudo corrói (“sitting home with a bottle of wine / thinking of better ways of spending my time”, em Times), ouvimo-lo, guitarra dedilhada a início, voz sussurrada, a lançar luz sobre a escuridão com verdades de sempre da música popular (“every boy dreams of a lover forevermore”, em Every star, canção de vida e viagem, verdadeiramente).

Nela, na curta viagem que nos oferece Sean Riley em California, havemos de passar por dois ícones americanos. Primeiro, o histórico Chelsea Hotel nova-iorquino e os amores ali desencontrados (“I need you, I don’t need you, and all of that jivin’ around”), depois, o mítico Uivo de Allen Ginsberg. Ouvimos-lhe os primeiros versos recitados, ouvimos depois, ponte para a génese do disco, uma curta versão da To all my few brothers com que Legendary Tigerman encerra o seu Misfit.

California é uma curta carta confessional enviada de si para si, uma janela que Sean Riley nos abre para a música que existe nele no momento em que a canção nasce.

Sugerir correcção
Comentar