O derby da bandeira ilegal escondida num pneu

Em dia de clássico do País Basco, contamos a história do jogo em que Real Sociedad e Athletic Bilbao se juntaram para desafiar a lei.

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REUTERS/Susana Vera

Um Real Sociedad-Athletic Bilbao nunca é só um jogo. É a rivalidade maior de uma região com identidade própria, o País Basco. Apesar de alguns desentendimentos ocasionais, sobretudo por causa de transferências de jogadores, Real e Athletic são rivais, mas não inimigos. Neste sábado, haverá mais um confronto entre ambos em San Sebastián, que não terá grande importância. Nenhum deles luta pelo título ou por uma presença nas competições europeias e nenhum está em perigo de despromoção. Seguramente que o Anoeta terá muitas “ikurriña”, a bandeira do País Basco. Há 42 anos, só havia uma e estava no campo.

A 5 de Dezembro de 1976, pouco mais de um anos depois da morte de Franco, Espanha era uma democracia ainda na sua infância, mas a “ikurriña” ainda era uma coisa proibida. Era vista pelo Governo, não como um símbolo de uma região, mas como um símbolo separatista e mais associado à Euskadi Ta Askatasuna, o grupo separatista basco mais conhecido pela sua sigla, ETA, que seria responsável pela morte de mais de 900 pessoas durante décadas de luta armada durante e após a ditadura de Franco.

O derby basco seria o palco ideal para a afirmação pacífica da identidade da região, que sofrera com a ditadura, tal como todas as autonomias. Foi o que pensou Jose António Uranga, um médio da Real Sociedad, longe de ser uma primeira figura da equipa, mas um fervoroso independentista. Depois de ter o acordo de toda a equipa, Uranga pediu à irmã, hábil no corte e costura, que lhe fizesse a bandeira proibida. No domingo do jogo, Uranga escondeu a bandeira no pneu suplente do seu Fiat e foi para o Atotxa, que seria o estádio da Real até 1993.

Uranga era um tipo barbubo e cabeludo e o candidato ideal para ser revistado num controlo policial à entrada do Atotxa. Foi o que aconteceu. Revistaram o carro e não encontraram nada. Uranga levou a bandeira dentro de um saco para o balneário e, juntamente com Inaxo Kurtarrabia, central e um dos líderes da equipa (um dos primeiros bascos a recusar-se jogar pela selecção espanhola), foi falar com os jogadores do Athletic, que não sabiam de nada.

Na entrada para o campo, Kurtarrabia e José Angél Iribar, guarda-redes e capitão do Athletic, lideravam as respectivas equipas e cada um a segurar uma ponta da “ikurriña” costurada pela irmã de Uranga. A bandeira ainda era ilegal, mas ninguém foi preso. O resultado do jogo foi o menos importante, mas aqui fica: 5-0 para a Real Sociedad, uma das maiores goleadas no derby basco. Quarenta dias depois deste jogo, a “ikurriña” foi legalizada.

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