O videopetisco
Levar com videochamadas faz-nos dar valor aos meros telefonemas em que só temos de gramar um dos lados da invasão acústica. Quando fala o outro, sabe bem o alívio do intervalinho de silêncio.
Nas esplanadas de Portugal já se preparam os novos petiscos para o Verão de 2018. Número 1 é o Facetime. Para fazê-lo importa primeiro reunir duas dúzias de inocentes, de preferência à procura de sossego.
A altura de entrar em acção é quando surgir um silêncio prolongado. Mande um SMS secreto ao seu cúmplice para ele lhe fazer a videochamada. Quando atender, faça questão de fingir que ficou muito contente: “Ó meu ganda maluco! Olha o Jorginho! É pá, tás um rapagão, man. Mostra lá essa cena... bem, impecável, man...”
O encanto de assistir a um Facetime alheio vem de poder ouvir ambos os lados da conversa. Nas chamadas sem vídeo as pessoas fazem o favor de encostar os telemóveis a uma orelha, para abafar a voz da outra criatura.
Nas videochamadas isso não se faz a não ser que um dos interlocutores seja otorrinolaringologista e o outro esteja a mostrar-lhe o antítrago. Como tal tem-se a oportunidade de capturar o hediondo vaivém da conversa.
Não há horror como ter saudades dum horror anterior. Mas é verdade: levar com videochamadas faz-nos dar valor aos meros telefonemas em que só temos de gramar um dos lados da invasão acústica. Quando fala o outro, sabe bem o alívio do intervalinho de silêncio.
No século passado, cada vez mais apetitoso, as videochamadas custavam uma fortuna. Agora não custam nada: só o sofrimento de quem tem de aturá-las. Pior ainda: ainda constituem novidade. Com que dissonância cognitiva é que se diz em 2018: “Que giro! Tou-te a ver! Tás-me a ver a mim?”