O Barcelona vai ficar sem Iniesta, o seu génio sereno e generoso

O médio anunciou emocionado o fim da sua longa etapa de 22 anos no clube catalão. Depois de estar no Mundial com a selecção espanhola, deve mudar-se para o futebol chinês.

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Iniesta Reuters/ALBERT GEA
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A conferência de imprensa de Iniesta LUSA/Enric Fontcuberta
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Iniesta, um símbolo do Barcelona LUSA/ALEJANDRO GARCIA
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O último troféu ganho por Iniesta ao serviço o Barcelona: a Taça do Rei Reuters/Susana Vera
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Andrés Iniesta Luján tinha apenas 12 anos quando chegou a La Masia, o centro de treinos e formação do Barcelona, bem distante de Fuentealbilla, uma pequena vila de dois mil habitantes na província de Albacete. Tinham feito uma viagem de 500 quilómetros até à Catalunha, Andrés, os pais e o avô, em silêncio quase total, conta Iniesta na biografia “La jugada de mi vida”, como se fosse o fim de alguma coisa. No dia desse suposto fim, o rapaz de La Mancha chorou pela separação e pela solidão, mas ele queria estar ali e habituou-se. E não foi o fim, mas um início. Passaram 22 anos e, nesta sexta-feira, Iniesta voltou a chorar, desta vez com o mundo inteiro a ver, para anunciar o fim da sua vida como jogador do Barcelona.

Este não será o fim de carreira para o médio de 33 anos, que deverá rumar ao futebol chinês, sem, no entanto, ter dado qualquer certeza sobre o seu próximo destino – apenas que não será na Europa porque não quer jogar contra o Barcelona. E, com 99% de certeza, irá conquistar mais um título de campeão espanhol, que será o seu nono em 16 épocas como jogador do Barcelona. Com ainda maior grau de certeza, Iniesta será o capitão da selecção espanhola que estará no Mundial da Rússia no próximo Verão. Será o fim de uma era na “roja”, como também é o fim de uma era para o Barcelona. Fica lá Lionel Messi, que não esteve na conferência da despedida de Iniesta (diz-se por “motivos pessoais”) para usar a braçadeira.

As lágrimas pelo fim da sua vida "blaugrana" saltaram às primeiras palavras. "Boa tarde a todos. Esta conferência de imprensa serve para tornar pública…”, foi o que começou por dizer. “… Que esta temporada é a última temporada aqui”, prosseguiu, antes de nova pausa. Uma decisão muito pensada, disse Iniesta, por ele próprio e pela família. “Tenho de ser honesto comigo próprio e com o clube que me deu tudo. Este clube merece o melhor de mim e entendo que no futuro mais próximo não conseguiria dar o melhor de mim em todos os sentidos, tanto a nível físico, como a nível mental”, justificou.

Há um ano, Iniesta tinha assinado um contrato vitalício com o Barcelona e de certeza que ninguém o mandaria embora de Camp Nou enquanto ele não quisesse. E a recente final da Taça do Rei frente ao Sevilha deu para ver bem aquilo que o "Barça" vai perder daqui a um mês – a despedida oficial será a 20 de Maio, no Camp Nou, frente à Real Sociedad. Os catalães venceram o Sevilha por 5-0, Iniesta fez uma exibição tremenda e marcou o quarto golo. Passe de Messi, desmarcação de Iniesta, finta ao guarda-redes e golo, talvez o último no "Barça", talvez não. “Era assim que eu me queria despedir, a sentir-me útil e importante.”

Para trás, ficam os tais 22 anos no Barcelona, 16 deles na equipa principal, e 31 títulos nos “culé” que em breve serão 32: oito Ligas espanholas, seis Taças do Rei, sete Supertaças de Espanha, quatro Ligas dos Campeões, três Supertaças europeias e três Mundiais de clubes. Ao todo, fez 669 jogos e marcou 57 golos. Pela selecção espanhola, foram dois títulos europeus e um Mundial – desde 2006, já leva 125 internacionalizações e 15 golos. Nessa final contra a Holanda, em 2010, na África do Sul que foi a prolongamento, Iniesta marcou o golo da vitória aos 116’ e dedicou-o ao amigo Dani Jarque, capitão do Espanyol de Barcelona, que morrera um ano antes vítima de ataque cardíaco. “Estás sempre connosco”, era o que Iniesta, que fora colega de Jarque nas selecções jovens de Espanha, tinha escrito na camisola por baixo do equipamento da “roja”. Coisas como esta são a medida de um homem e que fazem com que Iniesta seja admirado por todos, por colegas e por rivais.

Iniesta, o rapaz de La Mancha, passou a ser o rapaz de La Masia, e cedo começou a dar nas vistas e a chamar a atenção dos mais velhos. Quando Pep Guardiola, na altura o capitão do Barcelona, o viu jogar com 15 anos, disse o seguinte a Xavi Hernández, um miúdo a dar os primeiros passos na equipa principal: “Tu vais ser o meu sucessor. Este rapaz vai-nos suceder aos dois.” Não iria demorar muito até a profecia de Pep começar a cumprir-se.

O Andrés Iniesta que nos foi apresentado há 16 anos era um rapaz cabeludo, ao contrário do que é agora, com entradas bem visíveis que o levaram a rapar o que restava do seu cabelo. Foi em Outubro de 2002 que se estreou na primeira equipa num jogo da Liga dos Campeões, em Brugges, pela mão de Louis van Gaal, e no meio de uma época particularmente turbulenta para os “blaugrana” – seriam sextos na Liga espanhola, eliminados na primeira ronda da Taça do Rei e nos quartos-de-final da Liga dos Campeões.

Van Gaal nem sequer chegou ao fim dessa época, e na seguinte, e já com Joan Laporta na presidência, outro holandês, Frank Rijkaard, iria tomar conta da equipa. Iniesta foi um de vários jovens de La Masia a fixar-se na primeira equipa, mas a verdadeira explosão só aconteceu na época seguinte, em que ajudou o "Barça" a regressar aos títulos. Mas só se assumiu como primeira figura do Barcelona quando Guardiola assumiu o comando da primeira equipa em 2008, depois de cumprir uma aprendizagem na equipa B. E aqui, a importância de Iniesta foi mais além do que fazia em campo.

Com um início falhado, Guardiola teve dúvidas sobre se estava no caminho certo e fechava-se numa sala a ver vídeos e a rever apontamentos, até um dia em que Iniesta o procurou e disse-lhe que os resultados iriam aparecer porque aquela equipa era “de puta madre”. Guardiola confiou em Iniesta e o que se seguiu foi uma das mais perfeitas criações futebolísticas da história, um Barcelona a ganhar tudo com estilo, tal como Cruyff ensinara. E com uma equipa da casa, do guarda-redes Victor Valdés, à defesa, com Piqué e Puyol, e os gémeos do meio-campo Xavi e Iniesta. Na frente, a magia de Lionel Messi. E tudo isto (com a excepção de Messi) se prolongou para a selecção espanhola, dominadora do futebol mundial entre 2008 e 2012.

Os títulos serão a forma mais fácil de quantificar a importância de Iniesta na história do futebol mundial, mas a sua qualidade não se mede por golos (que os marcou), por assistências (que as fez) ou por distinções individuais (que as teve, talvez menos do que merecia e a France Football até lhe pediu desculpa de nunca o ter eleito o melhor do mundo). A estatística pura e dura é demasiado redutora para descrever o talento versátil, generoso e sereno de Iniesta, que nunca tratou mal a bola e nunca tratou mal ninguém. Não é surpresa que nunca tenha visto um cartão vermelho.

“Andrés Iniesta chora como joga, de maneira suave, elegante e harmoniosa, ao mesmo tempo cadenciada e descontínua, salpicada por momentos arrebatadores”, escrevia nesta sexta-feira, no El País, Ramon Besa, jornalista catalão e que conhece Iniesta como poucos – foi um dos que o ajudou a escrever a biografia. Foi exactamente assim que Iniesta anunciou que a sua vida como jogador do Barcelona ia acabar dali a um mês. Sem conseguir fixar o olhar em nada, a suspirar e a parar entre frases, a não conter as lágrimas, com alguns ensaios de sorriso pelo meio, a fazer da sua despedida uma declaração de amor. No final, como sempre aconteceu em campo, foi aplaudido de pé.

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