Os discos que habitam no novo disco dos X-Wife

Constituídos por três melómanos inveterados, nunca se recusaram a assumir os seus modelos. Desafiámo-los, por isso, a falar nos discos do novo disco. 

Foto

Todos os grupos querem ser originais e únicos, mas a maior parte tem dificuldade em assumir as suas influências, como se chegar a esse patamar da singularidade não implicasse adoptar e abraçar filiações. Não se cria a partir do nada, mas a partir do caos de referências. E nesse particular os X-Wife, talvez porque constituídos por três melómanos inveterados, nunca se recusaram a falar dos seus modelos.  

Agora que regressaram ao activo, lançando um quinto álbum que se segue a sete anos sem edições, desafiamo-los a discorrerem sobre essas referências, estejam elas ancoradas na sua carreira desde sempre ou mais presentes no novo registo - que será mostrado ao vivo este sábado em concerto no Hard-Club do Porto. E o que têm agora os X-Wife a propor, depois de anos em que os projectos a solo de Rui Maia como Mirror People e de João Vieira como White Haus acabaram por ter mais visibilidade? Canções rock electrónicas com intencionalidade e precisão, sustentadas por uma estrutura onde a energia primordial do rock se adapta ao balanço mais electrónico ou à espacialidade elegante.

Foto
Este sábado no Hard-Club do Porto o novo disco será mostrado ao vivo

No último sábado, em Lisboa, apresentaram ao vivo, pela primeira vez, as novas canções, com uma formação reforçada por bateria, vozes secundárias e sopros. Rui Maia diz que a recepção tem sido entusiasmante. “Este disco foi finalizado há pouco tempo e estamos confortáveis com o que fizemos, por isso agora é mostrá-lo ao vivo. Em 2011 quando lançamos o penúltimo álbum, depois de uma década de carreira, sentimos que era necessário fazer uma pausa. Existiu uma suspensão. Há coisas que precisam de respirar e levam o seu tempo até chegar àquela altura em que existe um clique. Foi o que aconteceu agora.”

Enquanto os restantes álbuns dos X-Wife distaram entre si cerca de dois anos, o novo é lançado sete anos depois do último, daí a opção por um título homónimo. “Havia uma linha condutora em todos os outros discos talvez mais pronunciada”, reflecte Rui Maia, “enquanto este funciona quase como recomeço, daí o título.” Em sete anos muita coisa mudou, até porque nos projectos a solo começaram "a desenvolver outro sentido de produção e a aprender mais técnicas de estúdio, mas a base estrutural é a mesma – como todas as influências pós-punk que temos desde o início e onde se inserem grupos como os Talking Heads.”

Foto

Talking Heads – Remain In Light (1980)

“É um disco de que gostamos muito desde sempre”, diz-nos Rui Maia, “mas que está mais presente enquanto influência no novo álbum do que em qualquer um dos outros, essencialmente pela camadas de electrónica misturadas com a percussão e pelas guitarras mais arriscadas. É um álbum intemporal que mistura vários géneros, tendo essa dimensão das percussões mais africanizadas com electrónica e um sentido pop.”

The Clash – Combat Rock (1982)

“Há dias, em conversa com o Rui Maia, chegámos à conclusão que a banda que mais nos influenciou foram os The Clash”, confessa João Vieira, justificando essa visão pelo facto de serem uma banda “que tem um percurso com raízes em cenas do punk, mas ao mesmo tempo também no disco-sound ou no dub, como se percebe ouvindo The Magnificent seven ou Rock the casbah.” Apesar dessa diversidade de influências, tinham um “som muito bem definido e uma identidade muito própria e identificamo-nos com isso.”

No presente álbum, afirma, quiseram "manter essa energia do punk e do pós-punk mas também ir buscar coisas ao dub ou à música negra, o que é perceptível nas segundas vozes.” A ter de escolher um álbum dos The Clash, João Vieira opta por Combat Rock, “porque é o mais emblemático em termos de arranjos ou de percussões, que é algo que não está tão presente nos discos anteriores dos X-Wife.”

Outra das novidades são os sopros que assomam em temas como em Movin’ up. “Este álbum começou com essa canção, inicialmente sem sopros”, releva, adiantando que quando saíram de estúdio pela primeira vez não estavam convencidos dos resultados. “Foi então que falámos sobre isso e resolvemos mexer nela. Sentíamos que precisava de algo. E foi aí que entraram os sopros e percebemos que funcionavam bem. No seguimento dessa opção, para aí metade do disco tem também sopros.”

Primal Scream – XTRMNTR (2000)

“O XTRMNTR é um disco que junta muito bem a electrónica um pouco mais agreste com o rock e gostamos muito disso”, começa por dizer Rui Maia, aludindo à “capacidade de risco” que identifica nos Primal Scream e que, segundo ele, também os X-Wife tentam conjugar. “Tentamos balançar entre esses dois mundos e nesse sentido eles foram sempre uma referência.” Os Primal Scream foram uns dos pioneiros dessa conjugação entre universos do rock e da dança com Screamadelica (1991), mas para Rui Maia a influência mais relevante é XTRMNTR. “Mesmo ao nível das vocalizações do João isso se pressente. A forma como Bobby Gillespie narra mais do que conta histórias é um registo do qual ele também se aproxima. Mas é mais do que isso. Ao nível das guitarras ruidosas, por exemplo, com um tipo de produção muito próxima do que o Kevin Shields (My Bloody Valentine) poderia fazer com electrónica. E isso é um ponto interessante e está presente em todos os nossos discos.”

Happy Mondays – Pills ‘n’ Thrills and Bellyaches (1990)

“Há uma canção no nosso álbum, o Sweet paranoia, que é inspirada nos Happy Mondays”, revela João Vieira, referenciando que “o tipo de balanço físico que o disco aspira tem também muito da cena dos Happy Mondays, que é sempre algo positivo e com raízes na música mais direccionada para a dança.” Pelo meio, diz, “existem alguns sons de teclados inspirados nessa época dos anos 90 de Manchester que os Happy Mondays incorporavam tão bem, inclusive ao nível das vozes mais relaxadas, mais arrastadas, fazendo sobressair um lado mais sensual.”

Foto

The Stooges – Fun House (1970)

“Há um ano fui ver o documentário Gimme Danger (2016) do Jim Jarmush, sobre os Stooges do Iggy Pop, numa altura em que o João e o Fernando Sousa me tinham enviado a maqueta do tema This game”, conta Rui Maia. “A canção tinha uma estrutura simples e, um pouco influenciado pelo documentário, comecei a trabalhá-la com uma abordagem diferente às guitarras, que acabaram por soar mais sujas. Também o ritmo mais roqueiro veio daí, desse universo dos Stooges e de álbuns como Fun House, marcado por esse imaginário dos anos 70.”

Liaisons Dangereuses – Liaisons Dangereuses (1981)

“Há um tema importante no disco em que canto em espanhol que é o Coconuts e houve um disco que o influenciou que é dos alemães Liaisons Dangereuses”, releva João Vieira, comparando alguns temas dos germânicos aos ingleses Cabaret Voltaire, na forma como operam com sintetizadores, por exemplo. “Isto tudo porque? Porque eles têm uma canção, Los niños del parque, que contem a frase ‘los ninos en el parque son muy afortunados van passeando, y suenan caramelos’ e que acabei por adaptar e ao fazê-lo achei que só podia cantar essa música em castelhano. Foi por aí. Vamos buscar fragmentos aos mais diversos sítios.”

Kraftwerk – Radio-Activity (1975)

“Os Kraftwerk também tiveram aqui um papel importante no novo álbum, em particular Radio-Activity”, diz Rui Maia. “É um disco que andei a ouvir durante muito tempo e que foi influente na construção da canção Lights out, que tem uma faceta krautrock, com vozes alteradas digitalmente.” Por outro lado, revela, de uma forma genérica “os Kraftwerk acabam por estar presentes na carreira dos X-Wife, porque foram pioneiros e foram das primeiras bandas electrónicas que comecei a ouvir, a par dos New Order, sendo transversais a toda a nossa carreira.”

Neu! – Neu! (1972)

“A última música do álbum, o Lights out, tem também qualquer coisa dos Neu!, na forma como aquele tipo de baterias minimais e as caixas de ritmo são introduzidas”, reflecte João Vieira, “gerando um ambiente muito sonhador.” Para os X-Wife um álbum é um objecto artístico pensado como um todo, daí que, segundo João Vieira, “o último tema, que tinha uma abordagem electrónica mais forte, pareceu-nos que respiraria melhor se reflectisse formas mais elegantes. Gostamos de discos com coerência e pontos de ligação e parece-nos que isso foi alcançado.”

Sugerir correcção
Comentar