Mulheres activistas na Turquia: defender os direitos humanos num clima de medo

Na Turquia, não são só as organizações de mulheres que estão debaixo de fogo.

“Há agora um vazio enorme no aconselhamento e apoio a sobreviventes de violação e de abusos sexuais. Parte-me o coração”, lamenta a activista Zozan Özgökçe, da Associação de Mulheres Van, na Turquia.

Esta organização trabalhava na consciencialização de menores sobre abusos sexuais e prestava formação em liderança e literacia financeira a mulheres. É uma das mais de 1300 ONG turcas permanentemente encerradas pelas autoridades sob o estado de emergência, por não especificadas ligações a grupos “terroristas”.

Quando foi fechada, no ano passado, a organização estava prestes a assinar contrato com a União Europeia para um projecto de prevenção da violência contra as mulheres, que teria assistido oito mil mulheres em 92 aldeias de difícil acesso durante três anos. Agora, ninguém vai fazer este trabalho vital.

A Associação de Mulheres Van é uma de muitas ONG visadas na repressão que se seguiu à tentativa de golpe de Julho de 2016. Mas não são só as organizações de mulheres que estão debaixo de fogo.

Sob ataque encontram-se também organizações de apoio a comunidades LGBTI, a pessoas deslocadas, a crianças e muitos outros grupos marginalizados.

O crescente assalto aos defensores de direitos humanos devastou as vidas de milhares de pessoas na Turquia, cerceou o trabalho crucial das organizações e mergulhou largos sectores da sociedade num permanente estado de medo.

A repressão resultou em detenções maciças e despedimentos no sector público, no esvaziamento do sistema legal e no silenciamento de defensores de direitos humanos através de ameaças, de perseguição e de encarceramento.

O estado de emergência, declarado como medida temporária excepcional há quase dois anos, foi renovado pela sétima vez na semana passada. Sob as suas regras draconianas, os direitos humanos foram dizimados.

Mais de cem mil pessoas enfrentaram investigações criminais e pelo menos 50 mil ficaram em prisão preventiva no que as autoridades entendem ter sido apoio prestado ao golpe. Mais de 107 mil funcionários públicos foram despedidos sumariamente pela mesma razão.

Leis antiterrorismo e acusações falsas relacionadas com o golpe são usadas para silenciar a dissidência legítima e pacífica. Renomados jornalistas, académicos, defensores de direitos humanos e outros activistas foram sujeitos a detenções arbitrárias e – se dados como culpados em julgamentos injustos – condenados a longas penas de prisão.

O secretário-geral da Associação de Direitos Humanos, Osman Isçi, contou: “O objectivo é manter o clima de medo. É arbitrário. Não é possível prever. Não pode ser contestado com eficácia, por isso há impunidade.”

E a professora Sebnem Korur Fincanci, quando com ela conversei na Universidade de Istambul, disse: “Tenho um saco sempre pronto em casa.” Têm-no sempre pronto para o caso de a polícia aparecer de madrugada para a deter.

A repressão da dissidência está inevitavelmente a ter um efeito nocivo na liberdade de expressão. A advogada Eren Keskin, visada em 140 acusações criminais, explicou: “Tento expressar as minhas opiniões livremente, mas estou bem consciente que tenho de pensar duas vezes antes de falar ou escrever.”

As medidas extraordinárias estão a ser normalizadas na Turquia – com os activistas de direitos humanos marcados como alvos. Mas, como descobri quando estive no país no mês passado, continua a haver gente corajosa determinada em fazer-se ouvir.

Um inspirador exemplo dessa coragem é o trabalho de um pequeno grupo de jornalistas no Sudeste do país. A Agência de Notícias de Mulheres (JINHA), formada exclusivamente por mulheres e criada com o propósito de fazer ouvir as vozes das mulheres, encerrou em Outubro de 2016 por decreto do estado de emergência. A directora, Zehra Dogan, foi condenada a dois anos e meio de prisão por “fazer propaganda para uma organização terrorista”.

Uma outra agência noticiosa surgiu para a substituir: a Sûjin, que acabou também fechada por decreto de emergência, em Agosto de 2017.

Perseverantes, estas mulheres criaram a Jin News e continuam a difundir notícias a partir da perspectiva das mulheres curdas.

Estão decididas a não serem silenciadas. Com a persistência do clima de medo e de intimidação, vozes corajosas como estas são cada vez mais raras e precisam da nossa solidariedade mais do que nunca.

Este artigo foi originalmente publicado na Time

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