Com rum agrícola se faz um Ti Punch, um cocktail da ilha de Martinique que não tem vergonha do rum

Esta semana comprei uma garrafa de Bacardi e dei-me ao trabalho de prová-lo sem nada. Isto é feio porque o Bacardi normal (Carta Blanca, 37,5 graus à volta de 15 euros) é vendido como rum de mistura, feito para interagir com Coca-Cola, limas, hortelã-pimenta e o diabo a sete.

Mesmo assim fiquei espantado com o sabor: não sabe a nada. Nem sequer sabe ao Bacardi do século passado que era leve mas tinha um sabor a rum, elegante mas presente. O que é que a Bacardi fez? Eliminou os sabores do rum branco. Não acredito que em Porto Rico, onde é produzido o Bacardi, consigam destilar um rum tão anódino como este. Devem ter removido todas as características interessantes, deixando uma vodka aguada com sabor a pipoca.

Pelo mesmo dinheiro compra-se uma garrafa de Havana Club 3 anos, feita em Cuba por cubanos. Continua igual ao que sempre foi: um rum saboroso que se presta a cocktails mas que se consegue beber sozinho. Tem personalidade. Isto é, é um rum.

O rum é uma bebida que se presta às maiores confusões e aldrabices. São tantos os aditivos autorizados — a começar pelo açúcar — que o melhor, para quem quer compreender o mundo interessantíssimo do rum, é começar pelos runs agrícolas que não são envelhecidos em madeira: os brancos.

Os runs brancos são para comparar com as cachaças jovens (ditas industriais) e, com as devidas distâncias, com as tequilas brancas. Cuidado aqui: as tequilas ditas jovens constituem uma categoria distinta. Não são brancas porque contêm tequilas envelhecidas.

Os runs agrícolas e as cachaças brasileiras são feitos a partir da cana do açúcar. Os outros runs — que também podem ser muito bons — são feitos do melaço.

Sugiro que se comece pelos agrícolas, sobretudo os de Martinique, porque são severamente controlados pelo governo francês, gozando de estatuto AOC.

Os runs brancos da Martinique são todos bons — alguns são muito bons. É uma questão de opinião. Eu gosto mais da Neisson e da JM mas as outras que conheço (Clément, Dillon, Saint James, Trois Rivières, Depaz) são todas deliciosas. 

Num loja online como a Excellence Rhum podem até comprar-se em caixas de 2, 3, 4,5 e 5 litros. O preço andará entre os 15 a 25 euros por garrafa de 7 decilitros a 40 graus. Poupa-se mais comprando as versões de 50 graus. Há também distinções importantes dentro das brancas, conforme o tipo de cana. Parece confuso mas não é: as versões ligeiramente mais caras são apenas ligeiramente melhores.

O mundo anglo-americano diz que os runs agrícolas têm um sabor esquisito. É a tradição do rum de melaço a falar. Para quem está habituado às cachaças brasileiras o rum agrícola só é surpreendente por ser familiar.

Há centenas de qualidades de cachaça por causa da quase infinita quantidade de permutações que advém da enorme variedade de madeiras brasileiras para o envelhecimento. O mundo do rum agrícola, limitado ao carvalho, é muito mais simples. 

Em Martinique, a maneira preferida de beber rum branco é no Ti Punch (pronunciado Ti Ponche). Cada pessoa tem um estilo próprio porque, como lá se diz, “chacun prépare sa propre mort”.

Só se consegue fazer um Ti Punch de jeito com xarope de cana. Cada destilaria produz o seu. O melhor será comprar uma garrafa da mesma destilaria que produziu o seu rum preferido. 

Para fazer com açúcar de cana mistura-se uma colher de café de açúcar branco com outra de açúcar amarelo. Corta-se um rabo de lima (tamanho de uma moeda de 2 euros) e esguicha-se para o copo. Deita-se uma dose pequena de rum e mistura-se. Em Martinique têm um ramo ideal — o bois lélé — mas na Madeira têm uma versão artesanal para fazer poncha, o caralhinho, que também se presta.

Mistura-se até dissolver o açúcar e deita-se gelo — ou não. Embora tenha os mesmos ingredientes que uma caipirinha ou um daiquiri, o Ti Punch sabe muito mais a rum do que a lima ou açúcar. É mais uma maneira de beber rum do que um cocktail.

É por isso mesmo que é tão interessante.

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