A desoladora cultura de patentes em Portugal

Como em muitas outras áreas, o Governo ignora quem faz bem e onde estão os recursos certos.

O Instituto Europeu de Patentes (EPO – European Patent Office) publicou, recentemente, o seu relatório anual relativo a 2017. Globalmente, os pedidos de patente aumentaram, continuando a ser liderados pelos norte-americanos. Pela primeira vez, uma empresa chinesa (Huawei) lidera o número de pedidos, e apenas uma empresa europeia (Siemens) aparece nos primeiros cinco requerentes. As principais áreas tecnológicas dos pedidos são tecnologias médicas, comunicação digital e tecnologias para computação.

Portugal está em 30.º lugar no número de pedidos de patente por milhão de habitantes. Apresentamos uns modestos 14 pedidos por milhão de habitantes, quando a média comunitária é de 134. Este é mais um sinal de uma realidade há muito existente: não patenteamos, achamos que só as grandes empresas têm patentes e não lhes damos grande valor. Porém, esquecemo-nos que as patentes são monopólios temporários concedidos pelo Estado em troca da publicação da invenção, possibilitando o avanço tecnológico. Este monopólio permite às empresas a obtenção de um “prémio de mercado” que lhes permite recuperar o investimento feito em inovação.

Com frequência, ouve-se dizer que, como a tecnologia progride muito rapidamente, as patentes rapidamente se tornarão obsoletas. Porém, vemos as grandes tecnológicas no top do EPO, pelo que este argumento não é válido. E há também inúmeros casos de PME a construir portefólios de patentes.

A um nível macro, a nossa balança tecnológica de pagamentos é deficitária na componente relativa aos proveitos de franchisings e Direitos de Propriedade Industrial (DPI). Ou seja, a nossa indústria não gera proveitos dos DPI, e importamos mais do que exportamos. Com a digitalização e a transição para a Indústria 4.0, esta situação só se vai agravar. Dos 149 pedidos apresentados no EPO em 2017, apenas 17 estão relacionados com tecnologias potenciadoras deste novo paradigma. Continuamos a ser consumidores de tecnologia de terceiros, com as empresas estrangeiras a validarem cá as suas patentes, restringindo a “liberdade de operação” às nossas empresas, que terão de pagar o prémio de remuneração às empresas estrangeiras pelo uso das suas tecnologias, aprofundando o défice na componente referida da balança tecnológica de pagamentos.

Do ponto de vista político, as iniciativas nesta área são tímidas e desajustadas. Em Março, o Governo aprovou, na Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/2018, as linhas orientadoras para uma estratégia de inovação tecnológica e empresarial para Portugal, 2018-2030. A propriedade industrial aparece como parte da “valorização e transferência de tecnologia”, em vez de ser um pilar de toda a estratégia, incluindo de áreas como a “Internacionalização” ou o “Empreendedorismo”. As parcas linhas dedicadas a este assunto colocam a ANI (Agência Nacional de Inovação) como agente de formação e de apoio. A ANI não tem quadros capacitados para tal – eles estão no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), nalgumas empresas, nos Gabinetes de Transferência de Tecnologia de Universidades, Laboratórios Associados e Centros Tecnológicos. Como em muitas outras áreas, o Governo ignora quem faz bem e onde estão os recursos certos.

Se o Governo quer fazer alguma coisa, capacite o INPI para gerar bons relatórios de exame de patentes, e crie uma secção especializada em Propriedade Industrial nos tribunais de segunda instância. Formação e apoio, que o Governo nos promete, já são dados pelos diversos agentes no ecossistema, incluindo o INPI. Reconheçam quem faz, não coloquem a ANI a fazer mais do mesmo.

(As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente o seu autor)

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