A Carta Aberta de um rapaz que ouvia Rui Veloso e triunfou nos “Ídolos”

Vencedor dos “Ídolos” em 2015, João Couto estreia-se em disco aos 22 anos, sob influência de sons que vão dos Beatles a Miguel Araújo.

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João Couto fotografado para o disco Carta Aberta TIAGO ALVES

Esta história começa no banco de trás de um Corolla verde. Não é o que estão a pensar. É a história de um rapaz que, a caminho da escola, pedia aos pais que repetissem a faixa 13 do CD que ali rodava: Não há estrelas no céu, de Rui Veloso. Por causa de uma frase: “Se não fosse o rock and roll, o que seria de mim?” Nessa altura, ainda o rapaz não imaginava que havia de escrever uma canção chamada Corolla, nem que à atracção pela música de Rui Veloso havia de juntar outras: Beatles, Queen, Tom Petty, Bruce Springsteen, Elvis Costello.

E muito menos que viria a sair vencedor de um concurso onde só entrou por curiosidade. É o próprio João Couto que o conta, num texto autobiográfico que escreveu para acompanhar o seu disco de estreia: “Convidado para uma audição [no “Ídolos”] à custa de um vídeo amador gravado na varanda de casa com um ukulele, lá fui com a certeza de que ia ter uma história engraçada para contar e pouco mais.” Nessa gravação, ele cantava Something, dos Beatles. “Estava a tentar cantar em bares e recebi muitos ‘nãos’”, explica ele, a justificar o vídeo. Ao saber da sua ida ao concurso, diziam-lhe, amigos e família: “Ah, é o ‘Ídolos’, claro que tu não passas!” Mas a verdade é que passou. Voltando ao relato autobiográfico: “Em Agosto de 2015 saio vitorioso de um formato que em miúdo assistia religiosamente. Agora eu ocupava o topo do pódio, sem nunca sonhar que isso poderia acontecer.”

A lição de um Cadillac

Nascido em 29 de Setembro de 1995, em Vila Nova de Gaia, João Couto aprendeu música cedo. “Quando era pequeno sempre disse que queria ser cantor e levava aquilo muito a sério. Os meus pais começaram a perceber isso e, se era para me manter na música, tinha de aprender. Comecei com piano, depois guitarra, e comecei a criar uma espécie de rebelião às coisas clássicas. Aprendi o Dunas [dos GNR] na guitarra e isso mudou a minha vida, porque a partir daí comecei a aprender acordes e a escrever as minhas músicas.”

Andou muito novo por bandas de garagem, passando de instrumento para instrumento, e ao mesmo tempo já ia compondo. “O Corolla foi uma das primeiras canções que fiz, quando tinha 17 anos, e é muito inspirada nas letras que eu na altura lia dos discos do Bruce Springsteen e que eram muito sobre essa ideia de fugir para algum lado. Às primeiras tentativas, escrevi sobre Cadillacs mas não soava sincero, porque eu nunca vi um Cadillac na vida. Por isso escrevi sobre aquilo que era meu e neste caso era o Corolla.” Em criança, ouvia “mais ou menos” de tudo: “Tanto ouvia Rui Veloso, Beatles, como coisas mais pop que passavam na MTV, como a Britney Spears.” Até que se fixou num disco: “A Night at the Opera dos Queen foi o primeiro disco que me fez gostar de discos.” Por isso criou na adolescência uma obsessão pelos Queen, ouviu os discos todos, lia tudo sobre eles. Mas não se ficou por aí. Hoje diz, olhando para trás: “As minhas três grandes referências internacionais acabam por ser o Paul McCartney, Bruce Springsteen, Elvis Costello.”

Um espírito de desabafo

E foi mais ou menos por aí que se aventurou a gravar um primeiro disco. Na música pop portuguesa, que via “estagnada nos anos 80”, mas que agora diz estar melhor, começou a encontrar algumas âncoras: “Cada vez encontro mais artistas com que me identifico, como o Miguel Araújo, o António Zambujo, o Samuel Úria, a Luísa Sobral.” E no seu disco de estreia, Carta Aberta, lançado pela Universal, conseguiu a colaboração de alguns desses nomes: João Martins (na produção e arranjos), Samuel Úria, Pedro de Tróia e Janeiro.

Doze canções escritas por ele, três das quais em parceria. “Em 95% dos casos, a música surge sempre primeiro. Quando gravo as primeiras maquetas, improviso letras no momento ou digo só vogais, para ver que sons é que ficam melhor. Porque para mim o protagonista tem de ser sempre a melodia.” O que não o leva a menosprezar as letras: “Também importa ter um conceito de letra interessante. Por exemplo, na Canção só, primeiro single do álbum, dei comigo a cantar coisas aparentemente negativas num ritmo alegre e com uma melodia muito optimista. E esse desafio obrigou-me a construir a canção a partir daí.”

Outras canções saíram-lhe num repente. Com aquela que veio a dar nome ao disco: “Na canção Carta aberta a letra saiu-me praticamente de rajada. E o espírito de desabafo foi tão impactante que acabou por dar título ao álbum. Ela acaba por ser, para mim, a nível de letra, o grande resumo, a nível pessoal, do ano em que estava a escrever o disco, 2016, um ano em que perdemos o David Bowie, o Prince… E tem o espírito que eu queria que habitasse todas as músicas, umas de forma mais séria outras de uma forma mais irónica.”

O disco Carta Aberta vai ser apresentado ao vivo no próximo dia 3 de Maio no Hard Club, no Porto, às 21h30.

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