Europa, ferrovia regional e Portugal

Tão ou mais importante do que discutir o tipo de bitola é dar maior densidade à rede ferroviária nacional, recuperando a ferrovia regional.

A ferrovia regional tem ganho posição de destaque na Europa, apesar de nas últimas duas décadas ter sido ofuscada pela centralização europeia de políticas e investi­mentos sobretudo nas redes de Alta Velocidade e nas Redes Transeuropeias de Transportes. Deste modo surgiu a necessidade de perceber de forma mais exaustiva o impacto da ferrovia regional e suburbana. Em 2006, o European Rail Research Advisory Council (ERRAC) apresentou as conclusões de um estudo aprofundado a este sector. Anualmente são transportados 6,8 mil milhões de passageiros, emprega 360.000 pessoas, a maioria dos passageiros viaja em operadores ferroviários públicos (85%) e o volume de negócios gerado é de aproximadamente 27 mil milhões de euros. Dos grandes utilizadores da ferrovia regional destacam-se a Suíça, França, Alemanha e Reino Unido. No seguimento do estudo da ERRAC, em 2016 é publicado outro no âmbito do projecto europeu Foster Rail cujas conclusões reforçam ainda mais a sua posição. O caminho-de-ferro regional e suburbano representa 90% da quota de mercado europeu relativamente aos passageiros transportados por modo ferroviário (dez vezes mais do que as viagens aéreas na Europa) e verifica-se um aumento de 30% no número passageiros transportados. Alemanha, França e Reino Unido registam um aumento da procura e Portugal apresenta uma quebra de 15%. Bulgária e Roménia têm ignorado este sector.

Aliás, a Roménia mereceu particular atenção por parte da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu. Em 2015, o governo romeno apresentou um plano que visava o encerramento de 40% da rede ferroviária, formada sobretudo por vários troços e linhas regionais. Esta medida colocou em causa os dois mil milhões de euros de financiamento comunitário para o período 2014-2020, destinados à modernização da rede ferroviária. Em 2016, o governo romeno acatou as sugestões da Union Internationale des Transports Publics (UITP) e colocou de parte esse plano.

A realidade europeia na ferrovia regional é diversa, complexa e está interligada com as políticas nacionais, cativas de cada Estado-Membro, e que se reflectem na qualidade, desempenho ou performance das suas redes ferroviárias.

Em 2015, um conhecido estudo da Boston Consulting Group (BGC) referia que Portugal tinha o segundo pior desempenho ferroviário a nível europeu, sendo apenas ultrapassado pela Bulgária. Em 2017 a situação de Portugal manteve-se, mas agora ultrapassado pela Roménia e Bulgária. Nos lugares cimeiros estão Suíça, Áustria, Dinamarca ou Alemanha, países cuja ferrovia regional é um dos principais alvos das políticas de mobilidade e investimento.

Portugal é o único país europeu cuja rede ferroviária apresenta uma densidade por habitante baixa, facto directamente ligado ao encerramento de várias linhas regionais nas últimas três décadas.

Aliás, o país é a antítese da realidade europeia e sob a égide soberana de critérios como despovoamento, interioridade ou racionalização de recursos, Portugal usou-os de forma deturpada para justificar de forma infame e consciente o desmantelamento do seu caminho-de-ferro regional, com particular incidência em Trás-os-Montes e Alentejo. O que vai restando vive momentos de incompreensível agonia, como é o caso das linhas do Leste, Alentejo, Vouga, Algarve, Oeste ou Douro.

A Europa mostra uma realidade bem diferente que desmistifica a realidade portuguesa. Um dos exemplos mais recentes é o da região escocesa Scottish Borders com 114.530 habitantes (dados de 2016), demograficamente inferior ao distrito de Bragança (126.466 habitantes; dados de 2016), que vê reabrir em 2015 os 56 quilómetros da Borders Railway entre Edimburgo e Tweedbank após meio século de encerramento. A reabertura resulta de um investimento de 333,6 milhões de euros e contribuiu para o aumento de visitantes na região e um aumento de 8% em postos de trabalho no sector do turismo. Entre 2015 e 2017 foram transportados 2,6 milhões de passageiros. O caso da Borders Railway é dado como exemplo para reabrir outras linhas encerradas na era Beeching.

O mais recente plano do governo britânico para o transporte ferroviário aponta para a reabertura de várias linhas regionais como forma de expandir a rede ferroviária, criar novos postos de trabalho e potenciar a economia. Outros dos exemplos de reabertura e associado à inovação tecnológica é o caso do projecto Hermann-Hesse-Bahn (Alemanha), que visa o regresso do comboio três décadas depois aos 23 km de linha entre Calw e Weil der Stadt e onde a multinacional Alstom estreará as suas novas automotoras Coradia iLint, movidas a células de hidrogénio. Aliás, para além da Alstom, a indústria ferroviária para o segmento regional já está a desenvolver material circulante com zero emissões de forma a libertar em definitivo a dependência do diesel.

Um pouco por toda a Europa, a aquisição de material circulante para o serviço regional tem estado bastante activa. Itália investirá 900 milhões de euros na aquisição de 150 comboios novos Alstom Coradia Stream para o serviço regional da Trenitalia, a ARRIVA-Holanda 170 milhões de euros em 18 unidades Stadler WINK ou a austríaca ÖBB 150 milhões de euros em 21 automotoras eléctricas Bombardier TALENT 3 são alguns dos exemplos mais recentes. Portugal parece querer manter o actual estado de obsolescência do seu parque de material circulante regional, descapitalizando a CP de competitividade neste segmento. Veremos o que acontece com a chegada em força do 4.º Pacote Ferroviário. Além disso, o país continua a não querer resolver uma questão de fundo do seu caminho-de-ferro, algo evidente no Ferrovia 2020 e seus antecessores.

É que tão ou mais importante do que discutir o tipo de bitola é necessário dar maior densidade à rede ferroviária nacional recuperando a ferrovia regional, acrescentando que investir neste segmento significa transmitir uma mensagem de confiança ao território, em particular ao interior, através da reposição de um serviço público de transporte, entretanto perdido.

Sugerir correcção
Comentar