Salah, um talento no topo da pirâmide do futebol

Avançado do Liverpool, que começou a carreira como lateral, tem encantado a Europa e dizimado recordes nesta época. Spalletti fala do egípcio como o melhor jogador que já treinou.

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Reuters/Andrew Yates

Há muito por onde escolher quando se olha para os números de Mohamed Salah na presente temporada: 43 golos em 2017-18 (a quatro do recorde do clube, na posse de Ian Rush), 31 na Premier League (um máximo da prova no actual formato, com 38 jogos), 33 partidas a marcar (registo histórico no Liverpool), três galardões de jogador do mês na Liga inglesa, um feito inédito numa só época. Mas como chegou o egípcio a este patamar? E de onde veio este avançado que ameaça discutir a próxima edição da Bola de Ouro?

Aos 25 anos, Salah está a viver o momento mais alto de uma carreira que começou no El Mokawloon, clube sediado em Nasr City, nas franjas do Cairo. O primeiro contrato foi assinado aos 14 anos e a promoção à equipa principal deu-se três anos mais tarde. Nessa altura, os primeiros treinadores viam nele um potencial lateral, graças a uma velocidade invulgar, razão pela qual começou a competir como defesa esquerdo. Mas a sua apetência pela baliza contrária acabou por projectá-lo bem mais para a frente no terreno de jogo.

“No início, o futebol para mim era só um jogo, talvez nem sequer fosse um passatempo. Talvez fosse uma distracção, um sonho impossível. Só a partir dos 14 anos comecei a pensar que poderia ser uma profissão”, confessou o jogador, numa das poucas entrevistas que deu, na altura da transferência para Roma. Mas já lá vamos, a essa mudança de armas e bagagens para Itália.

O dia 1 de Fevereiro de 2012 haveria de marcar a vida e a carreira de Salah. Já opção frequente no El Mokawloon, o avançado viu o campeonato egípcio ser interrompido na sequência da tragédia registada no Estádio de Port Said, no qual 74 pessoas morreram e mais de 500 ficaram feridas no seguimento de confrontos entre adeptos do Al-Masry e do Al-Ahly. A competição já não seria retomada nessa época e o calendário competitivo do jogador ficou francamente reduzido. Até que um jogo particular, pela selecção sub-23 do Egipto, o colocou na rota da Europa.

Salah começou esse jogo no Estádio Rankhof no banco, mas o que fez em campo quando foi lançado, na segunda parte, foi suficiente para convencer os responsáveis do Basileia a darem-lhe uma oportunidade. E o que fez durante essa semana de experiência na Suíça foi mais do que suficiente para lhe colocarem um contrato de quatro épocas à frente. “Eu queria jogar ao mais alto nível no Egipto, mas na Europa… confesso que não o esperava”, confessaria.

Era apenas o início de uma aventura destinada a feitos maiores. Na Liga helvética, acelerou rumo ao estrelato, de tal forma que em Janeiro de 2014 o Chelsea decidiu avançar para a sua contratação. O clube londrino pagaria qualquer coisa como 16,5 milhões de euros para garantir o primeiro jogador egípcio da história de Stamford Bridge, acabando José Mourinho por emprestá-lo à Fiorentina um ano mais tarde. Para Florença, Salah levou o talento que lhe era reconhecido e a memória dos sangrentos confrontos de Port Said. Por que razão escolheu, então, o número 74? “Queria prestar homenagem às vítimas dos motins de 2012. Para ser sincero, ninguém me pediu que o fizesse, foi simplesmente algo que senti que devia fazer e que decidi fazer”, explicaria.

O egípcio aprendeu rapidamente a gostar de Itália (massa com molho de tomate continua a ser um dos seus pratos favoritos), mas sentiu necessidade de dar um salto em frente e não abdicou de interromper o contrato de cedência de 18 meses com a Fiorentina para assinar novo vínculo com a Roma. “Queria ganhar com um clube que era muito popular no meu país”, atestou, reconhecendo então a necessidade de evoluir, pessoalmente, nos remates de longa distância e no jogo aéreo.

Evoluiu. E fê-lo com tal brilhantismo que foi considerado o jogador do ano e terminou a temporada 2016-17 como melhor marcador da Roma, com 15 golos. Luciano Spalletti era, nessa altura, o treinador dos “giallorossi” e viria mais tarde a deixar uma confissão acerca do criativo egípcio: “É um jogador excepcional. O melhor jogador que já treinei na minha carreira”, assumiu à BeIn Sports TV.

Há muito que o adolescente promissor que saía de casa de manhã cedo e apanhava cinco autocarros para chegar aos treinos, regressando já noite escura, tinha deixado de ser um segredo bem guardado. Estava nas bocas do mundo e o Liverpool estava disposto a abrir os cordões à bolsa para montar um ataque de sonho. No laboratório onde já trabalhavam talentos como Coutinho, Firmino ou Mané passou a trabalhar também Salah, a troco de 42 milhões de euros. Estava de volta a Inglaterra, e ao “tempo cinzento e frio” que não aprecia, mas desta vez estava talhado para triunfar.

O primeiro parágrafo deste texto resume em números o essencial dessa afirmação em campo, mas a magia do futebol do “Faraó” – alcunha de que goza actualmente – está longe de se esgotar em estatísticas. Polivalente, capaz de jogar na ala, como segundo avançado ou até como referência única no eixo do ataque, Mohamed Salah Ghaly tem na velocidade em condução e na facilidade com que decide no último terço (seja para assistir ou finalizar) características de eleição. Que o diga a Roma, que tem o sonho da final da Liga dos Campeões francamente comprometido à custa dos dois golos e do par de assistências do seu antigo avançado, na primeira mão das meias-finais.

“Que jogador! Se acharem que é o melhor do mundo, escrevam-no ou digam-no. O que eu posso dizer é que atravessa um momento extraordinário, de classe mundial. O primeiro golo é um remate de génio e ele já marcou alguns como esse, o que o torna ainda mais especial”, exaltou na terça-feira Jürgen Klopp, treinador de um Liverpool que caminha a passos largos para o jogo dos jogos, a disputar em Kiev. E se continuar a contar com Salah no pico de forma, estará bem mais perto de ganhar o troféu dos troféus.

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