“Os consumidores esperam que ofereçamos conselhos personalizados”

Com quatro décadas de história, a Gálenic está mais jovem. Afinal, não é todos os anos que uma marca se reinventa totalmente. Foi isso que aconteceu em Maio de 2016: novos produtos, novas fórmulas, nova imagem e uma comunicação diferente.

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Nuno Ferreira Santos

Sarah Michel-Stevens chegou à Gálenic em 2014, assumindo o cargo de CEO internacional, depois de ter trabalhado durante anos em marcas como Estée Lauder ou a Johnson & Johnson. Assumiu os comandos da marca francesa, fundada em 1977 pelo farmacêutico Pierre Fabre, para mudar radicalmente a trajetória da mesma.

Costuma viajar várias vezes ao ano com o objectivo de manter o contacto com os vários mercados onde a marca está representada e também para visitar alguns pontos de venda — que, tratando-se a Galénic de uma marca mais virada para o cuidado da pele, são farmácias. Na sua passagem por Lisboa, sentou-se com o PÚBLICO, na sede portuguesa da Pierre Fabre, para falar sobre o rumo que deu uma das marcas mais queridas daquele grupo de cosmética.

PÚBLICO: Qual o motivo para a mudança de estratégia da Galénic?
Sarah Michel-Stevens: As pessoas dizem que é uma das únicas marcas que Pierre Fabre criou na sua carreira, por isso têm um grande apreço por ela, mas não havia um posicionamento claro. [Ia mudando] ao longo dos anos: às vezes era uma marca natural, depois ficou uma marca científica, depois uma marca de beleza. E uma marca só é forte quando o seu ADN é forte. Tive a oportunidade de conhecer pessoas que estavam lá quando Pierre Fabre criou a Galénic [em 1978]. Perguntei-lhes porque é que Pierre Fabre criou esta marca e fui ver também todos os documentos em arquivo para compreender. Investiguei os primórdios da marca.

E o que descobriu?
Pierre Fabre acreditava que podia criar marcas com mais requinte, com boas texturas e boas fragrâncias. O nome Galénic vem da ciência, de trabalhar com os melhores ingredientes activos e com a textura para preservar a eficácia dos ingredientes activos. Muitas marcas falam do ingrediente activo, mas não da estrutura galénica. Quando descobri toda esta história achei que isto era muito forte e era um ADN único.

Não era óbvio para quem já trabalhava na marca na altura?
Quando Pierre Fabre criou a marca era bastante óbvio e continuou a ser durante dez ou 15 anos. O que aconteceu, acho, é que a Avène nasceu [no mesmo grupo] e tornou-se uma marca muito grande e as pessoas esqueceram-se da Galénic. Já não era a prioridade da empresa. [A Avène] estava a correr tão bem, por isso toda a gente concentrava-se nela. [Na Galénic], houve quase, a cada cinco anos, um novo director, que entrava e mudava a direcção. Isso fez com que a história da marca se tornasse bastante confusa.

E não quis ser mais uma directora a cinco anos?
Exacto. Quando cheguei voltei mesmo às origens. O que a maioria [dos directores] têm feito é dizer [por exemplo] "somos uma marca natural”. Depois mantêm os mesmos produtos e simplesmente criam uma comunicação com fruta.

Desde 2014 mudámos tudo: o ADN da marca; os nomes da linhas, que não eram muito perceptíveis; todo o packaging; toda a comunicação e fórmulas novas. Lançámos quase 20 novos produtos. Foi uma decisão da empresa investir na Galénic e a maior parte do investimento foi em investigação e desenvolvimento.

É a mesma equipa?
Sim. O departamento de investigação e desenvolvimento está muito orgulhoso por prestarmos homenagem à sua forma de trabalhar. Quando me juntei à empresa mostrei aos criadores das fórmulas o que queríamos como marca e, em menos de um mês, criaram vários produtos novos. São mestres na formulação e estão muito satisfeitos por poderem expressar o seu know-how. Recebemos 15 a 20 prémios de beleza. É a primeira vez que uma marca do grupo Pierre Fabre recebe tantos prémios.

Quais foram alguns dos principais desenvolvimentos, a nível de fórmulas?
Encontrámos um ingrediente activo que é uma enzima da papaia, que consome tudo o que ameaça a casca da fruta. O mais difícil que tivemos de produzir foi o Diffuser de Beauté, cujo ingrediente activo é o rubi.

Rubi?
Tem tudo a ver com a arte da formulação. Na realidade este rubi é muito duro, é quase como uma pedra. É preciso criar esta fórmula que derrete a pedra, mas não derrete demasiado, porque de outra forma não se veriam as “pérolas”. É importante que derretam na pele. Com o relançamento [da Galénic] este deveria ter sido o meu primeiro produto.

Porque não foi?
Foi lançado um ano depois, porque foi muito difícil de criar.

Qual foi o plano que estabeleceu para comercializar esta “nova” marca?
Acho que o que os consumidores esperam hoje é que ofereçamos conselhos personalizados directamente. Precisamos de parar o marketing agressivo a dizer que temos o melhor produto, mas continuar a criar produtos de alta qualidade e deixar que outras pessoas falem e partilhem [a sua experiência com os mesmos].

O facto de a marca já ter uma história é positivo ou negativo?
Nos mercados históricos é um dos maiores desafios: não mudar a mente do consumidor, mas a do revendedor. Os revendedores já viram tantos relançamentos, que acham que é mais um. Temos de os convencer que algo está mesmo a acontecer, que é tudo diferente. Ao mesmo tempo, a vantagem é que a marca tem reconhecimento.

Então o balanço é positivo ou negativo?
Para mim é positivo, porque temos um nome que é único. Em marketing isso é a chave.

Qual foi a reacção inicial das pessoas que já estavam na empresa?
Foi uma experiência muito agradável. A Galénic foi uma das poucas marcas que Pierre Fabre criou. Muitas das pessoas que trabalham na empresa têm uma ligação emocional à marca. Vi pessoas a chorar, muita emoção, porque estavam orgulhosas da marca que Pierre Fabre tinha criado. Acho que em toda a minha carreira, foi uma das experiências mais bonitas que tive.

Quais são para si algumas das questões mais relevantes, em relação à indústria de beleza?
Há tantas marcas no mercado... O que procuramos fazer é tentar não surfar as tendências. Nunca sacrificaremos a investigação, desenvolvimento e qualidade dos nossos produtos. Mas é difícil, porque temos concorrência que consegue trazer produtos para o mercado em seis meses. Vemos essas tendências a chegar e pensamos "devo adaptar-me ou não?". E a outra parte, é que é muito difícil hoje saber o percurso do consumidor, porque este está em todo o lado. Há cinco anos era mais simples: as pessoas compravam cosméticos em certos pontos de distribuição ou em farmácia. Hoje está tudo misturado.

Mas, ao mesmo tempo, têm mais informação sobre quem são os consumidores em canais digitais…
Isso é muito interessante. Mas é tudo novo para nós. A estrada antes era bastante simples. É o tempo todo a tentar adaptar e mesmo a tentar compreender este novo mundo.

Como enfrenta o desafio?
Acho que uma das minhas forças é que sou bastante flexível: se vejo que o mundo vai para ali consigo mudar de ideias e dizer "deveríamos parar de fazer isto". Leio muitos livros para compreender. Precisamos [de nos manter informados] – sem isso tornamo-nos obsoletos.

As vendas cresceram?
O que vemos desde o relançamento, é que tem havido um grande crescimento da marca em Portugal e não se deve apenas a vendermos em novos pontos de venda. [Em Portugal] estamos a fazer um bom trabalho em encontrar os pontos de venda certos para marcas premium. O que estamos a dizer é onde está o nosso consumidor, quem é, e vamos focarmo-nos nos pontos de venda, principalmente das cidades.

Tiveram um aumento de vendas nos últimos anos?
Aquilo que desafio a equipa a fazer é aumentar as vendas nos pontos de venda em que estamos presentes. E aí notamos um crescimento. Estamos muito satisfeitos com o crescimento que tivemos no mercado histórico. O segundo passo é fazer expansões em mercados onde historicamente a marca não estava presente. Vai ser um exercício bem diferente.

Os preços mudaram?
Sim. Temos novas gamas com preços mais altos.

Veio a Portugal porque vai a todos os mercados ou porque é um mercado chave?
Vou a todos os mercados. Normalmente venho uma ou duas vezes por ano para discutir com a equipa local. O grande objectivo é perceber o que está a acontecer no terreno – porque não acontece no meu escritório.

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