“A Internet é uma oportunidade de proximidade e não de conflito” entre pais e filhos

Drogas, álcool e sexualidade continuam a ser questões que marcam a adolescência. Mas agora também se vivem na Internet, essencialmente através do telemóvel. No livro Do telemóvel para o mundo, Daniel Sampaio oferece um guia prático sobre como os pais de adolescentes podem lidar com estas questões e utilizar a Internet como forma de aproximação e não de conflito.

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Depois de mais de duas dezenas de livros publicados, Daniel Sampaio voltou a escrever. Desta vez para os pais de adolescentes na era do telemóvel. Rui Gaudêncio

Em Do Telemóvel para o Mundo — pais e adolescentes no tempo da Internet, Daniel Sampaio fala da Internet como “um ponto de encontro entre gerações”. Uma “coisa maravilhosa”.

No seu 27.º livro o psiquiatra propõe um guia prático sobre como lidar com adolescentes, num tempo em que o telemóvel passou a ser uma extensão deles próprios. Equilíbrio, confiança e afecto são palavras-chave. E faz questão de sublinhar: apesar das mudanças tecnológicas “os pais continuam a ser o mais importante de tudo”.

No livro sente necessidade de explicar com algum detalhe as principais redes sociais utilizadas pelos jovens. Além disso, sublinha que os pais precisam de melhorar a sua literacia digital. Os pais ainda não sabem o suficiente sobre a Internet onde os filhos navegam?
Estão longe de saber. Os pais sabem o que é o Facebook e o Instagram, mas não sabem como é que os filhos os utilizam. Evidentemente que para algumas pessoas aquela informação pode parecer excessiva, mas o que eu pretendi foi descrever a evolução, por exemplo, do Facebook, que é sobretudo utilizado para promover eventos e festas de anos, e muito pouco como rede social de comunicação. Enquanto o Instagram e o Whatsapp são muito mais utilizados para comunicar. A tónica do livro é que os pais devem conhecer e dialogar e não devem controlar, como alguns fazem, espiando o telemóvel ou colocando filtros.

Então como é que pode haver algum controlo por parte dos pais?
Defendo que desde o tempo da infância, os pais ajudem os filhos a utilizar a Internet, de modo a que eles possam interiorizar as regras desde muito cedo. Estou a falar dos quatro, cinco anos de idade. E que aos 10 anos, quando têm o telemóvel, exista novamente uma conversa sobre a utilização do telemóvel. O que é importante é que os pais estejam à vontade para poder perguntar "O que é que estás a colocar na Internet?", "O que estás a ver?", "Vamos falar".

Refere ao longo do livro a importância de que os pais preservem a privacidade dos filhos. Mas como é que podem "arrancar" alguma coisa dos jovens e adolescentes sem comprometer a sua privacidade?
Esse é o grande desafio da adolescência: promover a autonomia, sem perder o controlo. É um equilíbrio. Como é que se equilibra? Através da confiança. Se houver essa preocupação em falar e a partilha do que se passa na Internet e na escola, do que eles estão a sentir perante uma notícia na televisão... Se o clima familiar for de confiança, é mais fácil uma confidência. Por isso é que digo que a Internet é uma oportunidade de proximidade e não de conflito e separação como por vezes vejo em algumas famílias.

Que conhecimento sobre a Internet é que os pais devem passar às crianças quando, por vezes, eles próprios também não têm grande conhecimento?
Estamos a falar de tecnologias que já têm alguns anos. Tem havido alguma dificuldade das pessoas em perceberem o impacto das novas tecnologias. É importante dizer que a Internet é uma coisa maravilhosa. Por isso é que falo do telemóvel para o mundo, porque o telemóvel hoje abre as fronteiras de todo o mundo e permite contactar em todo o lado. Mas é preciso explicar que depende da forma como se utiliza. E é preciso explicar que é preciso usar com regras, com parcimónia, não invadir os tempos familiares essenciais — o pequeno-almoço, a partida para a escola, a chegada a casa, o jantar e deitar. Que as crianças e os adolescentes possam usar o telemóvel como uma coisa boa e que não seja uma fonte de conflito.

Mas também aponta que os jovens saem do Facebook porque os adultos estão lá.
Sim. Neste momento, o Facebook é abandonado pelos adolescentes porque é um território que foi apanhado pelos adultos. Eles querem sempre ter um território mais privado que seja seu. É bom que exista um território de comunicação privado entre os jovens, para que eles possam comunicar entre si, mas que também possam comunicar com os adultos.

O que muda na forma como os jovens passam pela adolescência agora que estão apetrechados com smartphones?
Com a Internet, de uma forma geral, é tudo muito diferente. Tínhamos um paradigma para compreender a adolescência que era família, grupo de amigos e escola. Víamos que um adolescente estava bem com os pais, tinha amigos e estava bem na escola, então estaria bem. Hoje em dia, isso continua a ser importante. Os pais continuam a ser o mais importante de tudo na adolescência. Os amigos são muito importantes na fase média da adolescência, entre os 15 e os 17 anos, mas surgiu agora esta comunicação em rede. É preciso perceber que isso se traduziu numa forma muito diferente de encarar o corpo adolescente, a sexualidade, a forma de falarem uns com os outros, foi tudo muito alterado. O livro é dedicado aos pais, que têm de saber cada vez mais sobre isso para poderem comunicar melhor. Eu fiz um capítulo só sobre a sexualidade porque encontro muitas dúvidas dos pais sobre a sexualidade dos filhos.

No campo da pornografia e da sexualidade, como é que a Internet torna estes temas ainda mais complexos?
Esse é um tema muito interessante que resolvi incluir no livro. No meu contacto com os jovens adolescentes, percebi que sobretudo os rapazes vêem muita pornografia porque é muito fácil de aceder. A grande questão da pornografia é que deve ser discutida. Para já, é uma indústria. Depois, há uma exploração do corpo da mulher. E ainda introduz uma dimensão que não corresponde à vida normal das pessoas. É um tema que se deve falar frontalmente e sobre o qual acho que eles estão desejosos de conversar.

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Também fala da falta de educação sexual nas escolas. Isto ainda é um problema?
Fui coordenador do grupo de trabalho que deu origem à lei da educação sexual em 2009. Fomos nós que propusemos os programas de educação sexual que depois foram convertidos em lei. O que eu verifico nas escolas é que isso está reduzido ao mínimo. A uma hora ou duas por ano. E isso acho que faz imensa falta. As pessoas pensam que educação sexual é falar de sexo. Mas é sobretudo falar de educação e tem a ver principalmente com a ética na sexualidade. Com a relação rapaz/rapariga, com a homossexualidade, com o respeito entre as diferentes pessoas, com a contracepção, o conhecimento do corpo. Tem a ver com uma série de conteúdos adequados à idade que se deviam dar nas escolas. Para isso era preciso que os professores continuassem a preparação que na altura tiveram.

Aproximar pais e filhos em torno das novas tecnologias e daquilo a que chama a "pequena conversa" são dois aspectos que considera cruciais. O que impede que isto aconteça?
Acho que isso é sobretudo um problema dos pais. Porque os pais continuam com uma ideia de que é preciso falar muito a sério com os filhos sobre estes temas. Essa é uma ideia que eu acho que é do passado. Isso foi-me transmitido pelos jovens com quem trabalhei para este livro. Trabalhei com um grupo de quatro jovens, com quem fiz um debate de duas horas sobre todas estas questões. Todos eles - três rapazes e uma rapariga - me disseram que a conversa séria com os pais não resulta.

É aí que surge a “parentalidade construtiva”. Os pais ainda têm de aprender a ser construtivos?
Completamente. [Esse conceito] é uma coisa que resulta da investigação. O que se sabe hoje em dia é que o estilo parental é muito importante. Sabe-se que os pais que têm autoridade sem autoritarismo e ao mesmo tempo estão envolvidos afectivamente com os filhos, promovem uma adolescência mais saudável. Os pais que têm um grande autoritarismo e aqueles que são mais permissivos contribuem para uma adolescência com mais problemas. Essa eficácia parental tem muito a ver com o amor firme, mas ao mesmo tempo com o amor afectivo. É isso que se chama parentalidade construtiva.

Dá o exemplo de um pai que lhe coloca uma questão sobre partilhar um “charrinho” com o filho de 15 anos. Isto é muito perigoso?
É, porque é completamente diferente utilizar os derivados da cannabis num adulto e num adolescente. Nós podemos dizer que a cannabis na adolescência prejudica as tarefas da adolescência. Porque diminui a concentração e a atenção. Eles têm mais tendência a fracassar na escola. Aparecem uma série de conflitos familiares resultado do uso das drogas. A adolescência é mais problemática. Num adulto é completamente diferente. Um adulto já tem a sua vida feita e as repercussões são diferentes. Quando o chamado “pai camarada” faz isso com o filho ao lado, está a dizer que não tem importância nenhuma.

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No livro faz questão de referir que a adolescência não é um período tão negro como muitos o pintam. 
Sim. Isso tem uma razão histórica. Durante muito tempo, a adolescência foi considerada uma espécie de doença. Quando se fala com muitos jovens verifica-se que é uma época boa, porque é de descoberta. É difícil para os pais. Na infância e na idade adulta dos filhos é mais fácil ser pai. Mas é preciso explicar que a grande maioria dos jovens a vive como um bom período.

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