Pedido para tornar urgente vinda de famílias ficou sem resposta do Governo

"Momento extraordinário" na Europa exige "medidas extraordinárias" para garantir "o direito à vida familiar" dos refugiados. Em 2017, Ministério da Administração Interna foi alertado e ignorou.

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A ex-ministra na tomada de posse da directora do SEF, Luísa Maia Gonçalves, em Janeiro de 2017, que foi demitida em Outubro do mesmo ano Guilherme Marques

Através do reagrupamento familiar, é dada “a possibilidade às pessoas para virem de forma legal e sem riscos”, diz André Costa Jorge do secretariado técnico da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) e coordenador do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS). “Por outro lado, o reagrupamento familiar deve ser visto como uma ferramenta para a integração dos refugiados porque há uma quebra do seu isolamento.”

Ambas estas ideias de “ver o lado positivo do reagrupamento familiar” já estavam expressas num documento que o JRS, parceiro da Câmara Municipal de Lisboa (CML) no acolhimento, enviou ao Ministério da Administração Interna (MAI) no início de 2017.

Com o título Direito ao Reagrupamento Familiar de Requerentes e Beneficiários de Protecção Internacional, o texto resultava num pedido de reflexão do Governo e de revisão de algumas medidas. Nele, se recomendava “a diminuição de restrições injustificadas ao exercício do direito ao reagrupamento familiar” e se sugeria que o reagrupamento, nestas circunstâncias, servia de facilitador da integração e de garante de “uma via segura e legal de acesso à protecção na Europa”.

O documento não teve resposta da então ministra, Constança Urbano de Sousa, até à sua demissão em 18 de Outubro. Quinze dias antes de sair, Constança de Sousa demitira Luísa Maia Gonçalves, directora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) invocando falhas nas metas estabelecidas, como por exemplo, no processamento de vistos de permanência de estrangeiros em território nacional, que não eram despachados em tempo útil.

O PÚBLICO contactou, ao longo de vários dias, o gabinete do actual ministro, Eduardo Cabrita, para saber se alguma medida foi ou vai ser tomada para flexibilizar o reagrupamento mas não obteve resposta.

Direito “limitado” ao reagrupamento

Ao PÚBLICO, e enquanto membro do secretariado técnico da PAR, André Costa Jorge refere algumas das dificuldades concretas dos refugiados: “Os agendamentos mais demorados têm sido em Lisboa e no Porto. Mas infelizmente o SEF não permite que o pedido dê entrada num local diferente da área de residência, onde os agendamentos têm menos demora. Defendemos que deveria ser possível dar entrada do pedido noutro local e defendemos sobretudo que se abra a possibilidade de iniciar os pedidos de reagrupamento familiar antes da decisão final sobre o estatuto [de refugiado], mesmo que dependendo do sentido desta decisão.”

O documento enviado ao MAI notava já na altura o direito “limitado” ao reagrupamento no caso dos refugiados: por essas condições impostas e por se excluir a vinda de pais, irmãos ou filhos maiores no caso do beneficiário de protecção internacional ser um adulto.

Quando estes “se encontram em zonas de conflito ou em países de trânsito que não lhes oferecem condições de vida dignas é imperativo disponibilizar aos primeiros formas seguras de chegar à Europa e (...) a Portugal, afastando-os do perigo sem terem de recorrer a traficantes”, lê-se no documento enviado ao PÚBLICO.

“Para uma boa integração de refugiados e requerentes de protecção internacional em Portugal é necessário (...) também promover a sua estabilidade emocional que passa, em muitos casos, pela certeza de que poderão rever as suas famílias, trazê-las de forma legal para um país seguro e em tempo útil”, acrescentava.

E concluía: “É urgente criar as condições legais para que estas pessoas possam trazer os seus familiares para Portugal com maior rapidez. A Europa está a viver uma crise extraordinária, é preciso responder com medidas extraordinárias que garantam o direito à vida familiar (...) e as dissuadam de arriscar as suas vidas no Mediterrâneo.” 

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