Macron e o futuro da Europa

Neste momento, o Presidente francês e Costa serão os dois líderes políticos mais empenhados no reforço do papel da União Europeia.

Um mês depois de António Costa, coube a Emmanuel Macron apresentar em Estrasburgo as suas perspectivas em relação ao projecto europeu. Tal como se previa, o discurso ontem proferido no Parlamento Europeu pelo Presidente francês coincidiu no essencial com as posições anteriormente assumidas, no mesmo local, pelo primeiro-ministro português. Neste momento, serão os dois líderes políticos mais empenhados no reforço do papel da União Europeia, objectivo que proclamam sem qualquer hesitação. Macron fez mesmo desta opção uma das suas singularidades eleitorais, o que reforça a legitimidade do seu posicionamento presente. Não esqueçamos a força que as designadas correntes soberanistas detêm em França, quer na ala direita, quer no sector mais à esquerda da vida política deste país. De modo corajoso, o jovem Presidente da França falou de soberania europeia em diversas áreas, reclamou a criação de instrumentos indispensáveis ao bom funcionamento da zona monetária, preconizou o aumento das receitas próprias da UE, censurou implicitamente o modelo das democracias iliberais que vai ganhando terreno nalguns Estados-membros e apostrofou o conservadorismo paralisante que impede a realização de reformas por ele consideradas inadiáveis. Foi um discurso especialmente interessante se tivermos em consideração que essas teses estão muito longe de suscitar um consenso mínimo entre os seus pares. Pelo contrário, a maioria dos Estados europeus, por razões diversas, parece rejeitar o caminho defendido por Emmanuel Macron.

Para começar, deparamo-nos logo com o problema alemão. Angela Merkel é hoje uma líder relativamente diminuída, quotidianamente desgastada pelas divergências observadas na sua própria família política e pelas naturais dificuldades da coordenação de um governo em parceria com o SPD. A Alemanha não tem manifestado particular receptividade às propostas provenientes do outro lado do Reno; tem revelado, aliás, uma grande renitência em relação a alterações significativas nos domínios económico e orçamental, prejudicando assim qualquer perspectiva de radical melhoria das condições institucionais de funcionamento da zona Euro. Essa resistência provém sobretudo da direita parlamentar, mas conta com alguns apoios no próprio sector social-democrata. Como é sabido, na ausência de um entendimento franco-alemão, não é possível a concretização de mudanças significativas nas políticas europeias.

Macron enfrenta ainda a oposição de alguns países do Norte, liderados pela Holanda, que se têm destacado ultimamente por uma atitude muito crítica face à ideia de valorização do peso da União Europeia. Daqui decorre, aliás, a instauração de uma fractura Norte/Sul que contribui para o apoucamento da vocação solidária tradicionalmente associada à ideia europeia, com a consequente perda de prestígio público da mesma. Infelizmente, estes países têm vindo a ser progressivamente contaminados por discursos extremistas, que contrariam, de resto, a imagem que lhes estava historicamente associada.

Numa outra frente, constatamos o crescente apelo do discurso iliberal na parte Oriental da Europa. Esse discurso tem conduzido à debilitação de princípios democrático-constitucionais, ao empobrecimento dos espaços públicos nacionais e ao enraizamento de uma cultura política de carácter pré-moderno.

Curiosamente, é no Sul, com a inusitada excepção italiana, que se encontram hoje os países mais empenhados na consolidação de um projecto político de âmbito europeu. Alexis Tsipras abandonou completamente o seu discurso originário, e Portugal e a Espanha têm permanecido firmes na defesa intransigente de uma revalorização da dimensão europeia.

Verificado este contexto, haverá razões sérias de preocupação. Apesar disso, convém recordar a capacidade regenerativa de um projecto que pela sua complexidade estará sempre destinado a viver rodeado de múltiplas ameaças de crise. A aparente solidão de Macron não representa por si só uma condenação ao fracasso. Dentro de um ano realizar-se-ão eleições para o Parlamento Europeu. Esse momento poderá constituir a hora de relançamento das forças empenhadas na consecução das reformas institucionais e das alterações políticas da natureza daquelas ontem enunciadas em Estrasburgo, com grande frontalidade, por Emanuel Macron.

Um dos temas que vai marcar o debate europeu nos próximos tempos será justamente o do relacionamento entre a família social-democrata, representada na Eurocâmara pelo grupo dos Socialistas & Democratas, e um anunciado novo movimento político inspirado na figura do Presidente francês. A maioria presidencial gaulesa apresenta hoje características inéditas, englobando o centro-esquerda e o centro-direita numa mesma formação partidária e hegemonizando, dessa forma, a representação parlamentar dos sectores pró-europeístas. Esse modelo não é replicável à escala europeia. A esta escala, poderá ocorrer o fortalecimento de uma linha marcadamente centrista no PE, com o inerente recuo relativo das formações de centro-esquerda e de centro-direita e a manutenção, senão mesmo o reforço, dos partidos que cultivam uma visão absolutamente crítica em relação à União Europeia. Diante deste cenário, e face ao grande conservadorismo exibido por alguns dos mais importantes partidos que integram o Partido Popular Europeu, não se vislumbra senão uma solução política dotada do arrojo e da vontade necessárias para revigorar a União Europeia: um entendimento de fundo entre o S&D e aquilo que poderemos designar como um liberalismo progressista, assumidamente pró-europeu, inspirado na figura de Emanuel Macron. Há ainda um longo caminho a percorrer para atingir tal objectivo. Por muito difícil que esse caminho se apresente, vale a pena percorrê-lo.

 

 

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