A cada tragédia a sua comédia

Na mesma Curitiba onde Lula está preso, montou seita um “Cristo reencarnado”

No mesmo dia em que o mundo estava de olhos postos no destino de Lula, atento à tragédia de um Brasil a contas com alguns dos seus mais inquietantes demónios, chegava às redacções portuguesas esta mensagem extraordinária: “Venho por meio deste sugerir que façam uma matéria jornalística imparcial sobre o polêmico brasileiro que há mais de 30 anos afirma categoricamente ser Cristo reencarnado.” A missiva vinha subscrita por “Assinoê Vit, Discípula – Asses. de Relações Públicas da SOUST” e não diferia muito das que todos os dias chegam pedindo cobertura de encontros, comemorações ou festas. Só que falava de um Cristo reencarnado, coisa pouco comum. E sabem onde é que ele fundou a sua legião de seguidores? Em Curitiba, vejam lá. Na mesma Curitiba onde Lula se encontra agora atrás das grades.

Claro que o pedido da tal “matéria imparcial” já vinha com todos os condimentos da parcialidade. A aventura do cidadão que se dá por nascido em 22 de Março de 1948 no município de Indaial, interior do estado de Santa Catarina, é algo rocambolesca. Não se sabe o nome dele, só que decidiu chamar-se Inri Cristo obedecendo, claro, “a uma voz forte e poderosa que lhe fala no interior da cabeça.” Adolescente, trabalhou como “verdureiro, padeiro, entregador de alimentos, mascate, garçom, etc.” A descoberta de “certas falcatruas no seio do catolicismo” tornou-o “ferrenhamente ateu”, mas isso não o impediu de, aos 21 anos e apresentando-se como Iuri, falar nas rádios como “profeta de um deus desconhecido.” Daí passou às televisões, ou seja, estava mais ou menos lançado. Até que em 1976, “obedecendo” à tal voz, andou pela América Latina (peregrinando, como é bom de ver) e no Chile teve, enfim, a revelação: era Cristo reencarnado. Foi a voz que lhe disse. Crucificado há 2 mil anos, estava de volta, vivo, são e brasileiro. E esta? Retomou a viagem, nem sempre com sucesso. Ao que contam os seus seguidores (e devem contá-lo para que a imagem martirizada se acentue), foi expulso da Venezuela, do Paraguai e da Inglaterra, sendo declarado apátrida em França, onde esteve sete meses. Corridos 27 países, voltou ao Brasil. E para quê? Para correr com os vendilhões do templo, naturalmente. Escolheu a catedral de Belém do Pará e, no dia 28 de Fevereiro de 1982, ali gerou, com um grupo de seguidores, um razoável tumulto. Arrancou um crucifixo, partiu-o (pudera, se Cristo era ele!), vociferou contra os adoradores de ídolos e contra o comércio religioso, e só saiu dali levado pela polícia. Claro que tudo isto se destinava a “libertar a humanidade das fantasias e dos engodos dogmáticos, mostrando o caminho da Verdade e da Luz.” Nada de muito original, convenhamos. Preso e submetido a uma junta psiquiátrica, esta concluiu (dizem os seus seguidores, sérios) que só podiam avaliá-lo no dia do Juízo Final. Imagina-se porquê.

Pois este “triunfo” de Inri, o ex-Iuri já empossado na sua metamorfose, consumou-se na criação de uma seita a que ele deu o pomposo nome de Nova Ordem Mística, Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade. Ou SOUST, para simplificar. As fotografias dele, e dos seguidores, parecem tiradas de um daqueles filmes de má qualidade com que nos entretêm na Páscoa. Inri copia Cristo, imaginando que as suas vestes seriam as mesmas que se vêem no cinema ou nos autos pascais, e os seguidores (nas fotos vêem-se mais as seguidoras) usam vestes compridas como nas procissões. E como a coisa prosperasse, mudou-se para Brasília. “Uma dúzia de discípulos – na maioria mulheres – vivem em tempo integral com o celibatário de 69 anos em seu complex murado, protegido com arame farpado e cerca elétrica”, escreveu a National Geographic Brasil em Agosto de 2017. Mas quem imagina Inri numa vida monástica, engana-se. Tem um site (“A internet nos conecta ao mundo. INRI CRISTO ensina a conexão com o Eterno PAI”) e animações televisivas garantidas: “Inri Cristo TV, 24h no ar, sábados ao vivo! Às 11h da manhã (horário de Brasília)”. Ah, e tem vídeos onde discorre sobre alzheimer, maçonaria, psicografia e reencarnação, movimento feminista, homossexualidade e até arte e música funk! Tudo isto com as vestes do costume e uma “coroa de espinhos” branca enrolada na cabeça.

Catita e empreendedor, este Cristo. Ora estando ele sediado em Brasília, talvez venha a ocupar o Palácio do Planalto. Um país que já viu tanta coisa, e tão ruim, não terá dificuldade em suportar mais essa.

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