O turismo é a galinha dos ovos de ouro da economia cubana

O sector privado cresce com o aumento da procura de Cuba como destino turístico. No último ano, a ilha teve cinco milhões de visitantes — que se deparam com infraestruturas e serviços deficientes, e preços caros.

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Adriano Miranda/Público
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Esteban não precisa de se esforçar muito para atrair clientela para o seu negócio. A porta do imponente Hotel Nacional de Cuba, no bairro do Vedado em Havana, debita constantemente turistas que logo esbarram com a colorida fila de “clássicos”, o nome dado aos antigos automóveis descapotáveis restaurados para passeios turísticos: o Chevrolet Impala de Esteban, vermelho, está estacionado à sombra.

Um roteiro de uma hora pelos principais pontos turísticos da capital cubana nunca fica por menos de 60 pesos convertíveis — e o circuito nunca fica apenas por uma hora. Havana é uma cidade grande e muitas atracções são distantes umas das outras. Além disso, Esteban faz paragens para que os seus passageiros possam experimentar “o melhor café de Cuba”, sugere desvios para lugares onde o rum se venda a preço especial e os charutos, “cubanos verdadeiros”, saem directamente da fábrica, e propõe esperar enquanto os seus clientes almoçam para depois prosseguir a viagem.

O seu saldo raramente fica abaixo dos 200 dólares; na maior parte dos dias até fica bem acima. É uma autêntica fortuna comparada com os 30 dólares que são o salário médio mensal da maioria dos trabalhadores do país, mais de 80% dos quais são funcionários públicos (três em cada quatro cubanos trabalham para o Estado). Estes são pagos em pesos cubanos ou CUP, a moeda nacional, e não nos pesos convertíveis (CUC ou divisas, como lhe chamam os cubanos) que estão indexados ao dólar e que quase só circulam em lugares tomados pelo turismo.

Apesar desta enorme discrepância, Esteban queixa-se que o dinheiro que ganha é curto para chegar ao fim do mês. Para manter o negócio, paga uma taxa de 900 dólares mensais ao Estado, à qual acrescenta depois as despesas de manutenção dos automóveis e a gasolina. Os gastos da casa e da família, calcula, devoram-lhe quase o mesmo valor: é uma vida de rico num país onde há 25 anos todos eram pobres.

“Antes, ensinavam-nos que um homem era um homem. Agora a balança está muito desnivelada”, avisara uma dona de casa da cidade de Santa Clara, referindo-se às mudanças sociais resultantes das reformas económicas introduzidas por Raúl Castro a partir de 2008.

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500 mil no sector privado

Numa década, a “actualização” do modelo económico facilitou a transposição de cerca de 500 mil postos de trabalho para o sector privado. A liberalização de profissões nos serviços (de barbeiros a jardineiros, mecânicos, ourives, cozinheiros, motoristas) abriu a porta ao consumo: ao mesmo tempo que facilitou o empreendedorismo em nome individual, o Governo autorizou que os cubanos pudessem comprar telemóveis e computadores, que se pudessem hospedar em hotéis ou até viajar ao estrangeiro. A compra e venda de imobiliário entre particulares foi aberta em 2011, e três anos depois a de automóveis — é um mercado de segunda mão, uma vez que quase não chegam carros novos à ilha, onde os preços são exorbitantes (entre os 60 mil e os 100 mil dólares por viaturas com décadas de vida e inúmeras reparações).

Esteban é o exemplo de como o nível de vida melhorou nas últimas décadas. Aos 44 anos, conseguiu transformar a sua casa no exclusivo bairro de Miramar, onde se multiplicam as embaixadas e moram os ministros e outros altos quadros do regime, numa mansão. É um “work in progress”, diz, um esforço demorado mas minucioso que iniciou em 1996, depois de trabalhar nos cruzeiros na Europa. Já não faltará muito para o trabalho ficar completo — bastará estucar algumas paredes e tectos ainda em tosco, equipar a cozinha, mobilar alguns quartos e instalar candeeiros.

Enquanto Esteban faz a visita guiada à sua casa, uma de duas “amigas de família” que emprega em casa encarrega-se de regar o jardim, onde correm gansos, galos e pavões entre árvores de fruto. O empresário paga-lhes 150 pesos convertíveis por mês, cinco vezes mais do que ganha um professor. “Pago bem porque posso” — o seu sucesso, justifica, deve-se inteiramente ao turismo, que Esteban não tem a mínima dúvida “é o futuro de Cuba”. O sector, que é o grande responsável pelo desenvolvimento de uma ainda incipiente classe empresarial privada, tornou-se uma galinha dos ovos de ouro para a economia nacional. Só no último ano, entraram no país quase cinco milhões de turistas.

O preço do Mojito

Em meados de Abril, meses antes do arranque da época alta, Havana está repleta de estrangeiros, que se acotovelam debaixo de um sol inclemente para chegar ao balcão da Bodeguita Del Médio, e lotam os jantares com espectáculo ao vivo dos músicos da famosa orquestra Buena Vista Social Club, oferecidos por restaurantes e hotéis. Os preços de tudo, do mojito ao prato principal, da corrida de táxi à T-shirt com a cara de Che Guevara, são exorbitantes e rivalizam com os lugares mais caros da Europa.

O número de turistas caiu em 2017, depois de Donald Trump tomar posse como Presidente dos Estados Unidos e voltar a apertar as regras que permitem aos cidadãos norte-americanos visitar a ilha, apesar do embargo comercial que vigora desde o início dos anos de 1960. No final de 2015, quando anunciou o “descongelamento” das relações entre os dois países, e a normalização das ligações diplomáticas e comerciais, Barack Obama disse que só faltava acabar com essa política. Mas o bloqueo só pode ser levantado pelo Congresso, onde a maioria republicana se mantém inflexível na sua recusa em “apaziguar” um regime que não respeita os direitos humanos.

É o embargo comercial, que pelas contas do Governo de Havana custou mais de 130 mil milhões de dólares à economia do país nos últimos 50 anos, que justifica o subdesenvolvimento, repetem os mais velhos. “Por causa do bloqueo, temos de comprar tudo muito longe, o que encarece muito as coisas. Por exemplo, os medicamentos, se pudessem vir dos Estados Unidos, aqui ao lado, seriam muito mais baratos”, diz Álvaro, que foi lutador de boxe na sua juventude, e aos 62 anos continua a dar aulas de educação física. Aos fins de semana, conduz um táxi.

População envelhecida

Os mais jovens não falam no embargo e já não vêem os Estados Unidos como um inimigo ou uma ameaça, mesmo se avaliam Trump como um “louco” ou um “imbecil” que se deixa influenciar pelo lobby conservador anti-castrista da diáspora radicada em Miami. Milhares aproveitam a abertura do Governo cubano para emigrar para o país vizinho: na última década, mais de 463 mil pessoas saíram da ilha e pediram visto nos EUA, num movimento com impacto pesado na demografia. Cuba tem agora uma das populações mais envelhecidas da América Latina.

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Os mais novos que não conseguem sair do país tentam saltar para o sector privado, onde podem fazer-se pagar em pesos convertíveis. As profissões mais desejadas são aquelas que estão ligadas ao turismo, onde o valor das gorjetas pode ultrapassar em muito o do salário. Muitos professores abandonaram o ensino para trabalhar no turismo, uma tendência que também afecta profissionais qualificados como engenheiros, cuja actividade continua dependente do Estado.

Em Santa Clara, Adrián Estevez, um mecânico de 26 anos que trabalha numa oficina privada de reparação de motas e bicicletas - “Aqui somos capitalistas. Se não fôssemos não estávamos aqui a trabalhar ao sábado”, informa -, está pronto para dar o salto. “Já tirei o passaporte. À primeira oportunidade, vendo a minha mota e vou embora. O meu futuro está lá fora, não está aqui. Nós cubanos somos trabalhadores, mas aqui o trabalho não dá nada”.

Yusmani Díaz, um antigo militar das forças especiais cubanas, reformou-se do Exército aos 38 anos para abrir o seu negócio de taxista. Tem um Peugeot 306 com ar condicionado, o que lhe permite fazer trajectos longos. “A imigração em Cuba é por motivos económicos, não é por razões políticas”, distingue, afastando a ideia de que os mais de 50 mil que partem anualmente são opositores do regime.

Como a maioria dos cubanos, Esteban não se mete em discussões políticas. Na sua opinião, o Governo de Havana, que suspendeu temporariamente a concessão de novas licenças de cuentapropistas (indivíduos com licença para exercer uma actividade em nome individual), não terá outra alternativa que não seja expandir a iniciativa privada, com a liberalização de mais profissões e a atribuição de mais licenças. E por mais que Trump repita a retórica hostil e prometa voltar a tratar Cuba como nos tempos da Guerra Fria, “ele é um homem de negócios e não vai travar o fluxo de turismo na ilha”, considera Esteban.

“O grande problema”, avança, “é que Cuba não está preparada para oferecer boas condições aos estrangeiros que a visitam”. Não há transportes, faltam serviços, enumera. É uma constatação do óbvio, e um problema que mais do que os turistas afecta a população cubana: o novo Presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, cuja nomeação será confirmada esta quinta-feira, vai receber de herança uma infraestrutura totalmente degradada e um aparelho produtivo obsoleto e ineficiente, sustentado por subsídios e pela distorção cambial.

O caso dos comboios chineses

Sem capacidade produtiva, o país vive na dependência de um número reduzido de aliados económicos (e políticos), o principal dos quais é a Venezuela. Mas o apoio de Caracas, que se traduzia na exportação de combustível a preços subsidiados (e que totalizou cerca de seis mil milhões de dólares nos últimos 20 anos), foi significativamente reduzido no rescaldo da crise em que mergulhou o país de Nicolás Maduro. Segundo a Reuters, o envio de petróleo para Havana caiu de 100 mil barris para menos de 40 mil.

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Da Rússia voltaram a chegar ajudas, em troca de serviços médicos. A China, que coloca produtos baratos em todos os cantos do mundo, quase não investe em Cuba. “Os chineses só querem ganhar dinheiro, de um quilo fazem um quilo e meio”, diz Yusmani Díaz, que recorda que Pequim enviou locomotivas novas para apoiar o transporte de mercadorias, mas estas acabaram por ser devolvidas porque “eram demasiado modernas e descarrilavam”. O caminho-de-ferro continua assim a depender das velhas composições soviéticas — uma viagem de 900 quilómetros entre Havana e Santiago, a segunda cidade do país, pode demorar 16 ou 18 horas, “nunca é certo”.

A inexistência de uma rede de transportes, e a falta de maquinaria, inviabilizam o desenvolvimento do país e crescimento da economia. Para poder retirar todo o potencial da plantação de cana de açúcar a perder de vista que explora para uma das cooperativas da província de Matanzas, Luis Enrique diz que precisava de mais uma debulhadora e de pelo menos seis camiões. “Temos quatro, quando temos”, lamenta este trabalhador de 56 anos, que começa a jornada às 4h30 da manhã e só deixa o campo ao final da tarde. A cada dia, leva para casa 23 pesos cubanos (menos do que um dólar). “Não dá para nada. Aqui os salários não são compatíveis com o preço das coisas”, afirma o agricultor, que tem uma filha emigrada em Espanha.

Com o preço do açúcar em baixa nos mercados internacionais, vastas extensões de cultivo foram abandonadas, porque o valor das exportações não cobria os custos da produção e da transformação, conta Juvenal. O antigo militar, que cumpriu duas missões em Angola e se declara “o maior fã de Cristiano Ronaldo” em Cuba, dedicou-se à exploração da cana depois de o Governo ter autorizado a entrega de terras improdutivas (que eram cerca de 50% dos terrenos cultiváveis do país em 2008) à gestão das cooperativas. Agora, além de seguir os jogos do Real Madrid, também segue a cotação das matérias-primas: “Ainda não é com esta colheita que vamos ficar ricos”.

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