Recordar um médico ou um monstro?

Caso Urbino de Freitas é o tema do livro de José Manuel Martins Ferreira, que esta sexta-feira é apresentado no Porto. Médico amigo de Camilo foi condenado por envenenamento de familiares.

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Vicentre Urbino de Freitas DR

“Da morte que o prostrou não se ressurge. Seja qual for o destino reservado ao seu processo, Urbino de Freitas poderá voltar à sociedade que justa ou injustamente o eliminou, mas atravessá-la-á a tocar, sem a sentir – como um espectro”.

A citação de um artigo de Júlio Dantas na revista Ilustração Portuguesa, em 1913, faz a contracapa do livro Urbino de Freitas. Um médico ou um monstro?, de autoria do engenheiro José Manuel Martins Ferreira, e que esta sexta-feira tem lançamento no Porto.

Trata-se de um comentário feito pelo conhecido escritor, médico e político ao destino trágico de um seu colega de medicina, Vicente Urbino de Freitas (1849-1913), que figura como referência sombria nos casos de tribunal (tanto o da justiça como o da opinião pública) da segunda metade do século XIX na cidade do Porto.

Formado na Universidade de Coimbra e tendo depois entrado como ‘lente’ na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, onde se notabilizou por estudos sobre o tratamento da lepra, Urbino de Freitas haveria, contudo, de ver o seu nome inscrito na história da cidade por razões bem menos elevadas: em 1890, deu entrada na Cadeia da Relação acusado da morte propositada, por envenenamento, do seu cunhado, José António Sampaio Júnior, e também do filho deste e seu sobrinho Mário Sampaio – naquilo que ficou registado na memória da cidade como o “Crime da Rua das Flores”.

O envenenamento do sobrinho terá sido perpetrado através do envio por correio, na Páscoa daquele ano, de amêndoas com licor e bolos de coco e chocolate para a casa da família de Basto Sampaio, na Rua das Flores.

Urbino de Freitas era irmão do capitalista João António de Freitas Fortuna e amigo (e médico) de Camilo Castelo Branco e, apesar dos esforços denodados daquele para ajudar a provar a sua inocência em tribunal, foi condenado, em 1893, a uma pena de prisão de oito anos (que cumpriria em Lisboa), seguida de degredo em Angola. Após ter cumprido metade da segunda pena em Luanda, Urbino de Freitas exilou-se no Brasil, a partir de onde tentou reabrir o seu processo e provar a sua inocência. Não conseguiu fazê-lo; nem mesmo quando, em 1913, decidiu regressar ao Porto com o mesmo objectivo. Deu então uma longa entrevista ao Jornal da Tarde, mas acabaria por morrer menos de um mês depois, a 23 de Outubro.

É a história deste “homem que fascinou, pelas piores razões, o Portugal dos finais do século XIX” que José Manuel Martins Ferreira quis recuperar com a sua investigação, que agora publica no bem documentado Urbino de Freitas. Um médico ou um monstro?, que tem como subtítulo “Os envenenamentos que assombraram Portugal e o Brasil no final do século XIX”.

O lançamento vai ter lugar esta sexta-feira, pelas 18h00, no Palacete dos Viscondes de Balsemão, com apresentação, ao lado do autor, do seu colega engenheiro e professor Luís Valente de Oliveira, e também do historiador Germano Silva – que irá explicar como este episódio deixou marca na memória da cidade.

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