A discórdia do sucesso no dia em que Costa foi obrigado a explicar-se à esquerda

BE, PCP e PEV expuseram as diferenças que têm com António Costa no que diz respeito à política orçamental. Apesar dos acordos com PSD, o primeiro-ministro garante que é pela esquerda que quer ir.

Foto
"À quarta é mais fácil", disse Costa à esquerda, sobre o OE LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Um jogo de futebol tem 90 minutos e uns pozinhos. Uma legislatura tem quatro anos. E o que tem uma coisa a ver com a outra? Para António Costa tem tudo, sobretudo tem a imprevisibilidade de um resultado e “a legislatura ainda não chegou ao fim”. A analogia foi feita pelo primeiro-ministro no debate quinzenal desta quarta-feira, em que foi obrigado, pelos parceiros da esquerda, a dar explicações vezes sem conta e a terminar com uma declaração de continuidade minutos antes de assinar um acordo com o PSD.

Esta quarta-feira foi o dia em que os parceiros de esquerda mais questionaram a quadratura do círculo, a saber: o facto de o Governo conseguir cumprir as metas assumidas para com a União Europeia e os compromissos com a esquerda: “Agora, é o sucesso que serve de mote para fundamentar a continuação dos sacrifícios, aguentar mais uns anos de salários congelados, de serviços públicos degradados ou a meio gás, investimento muito aquém das necessidades para cumprir os critérios do fundamentalismo monetarista e, inexplicavelmente, ir além dele", disse Jerónimo de Sousa num discurso pleno de recados.

Nesta discórdia do sucesso, Costa pediu aos parceiros que não entrem numa espécie de “obsessão” pelo défice ao contrário, que é como quem diz, que não vejam na redução um problema quando o problema é o seu aumento.

O que separa os parceiros é o que fazer com a “folga” orçamental, explicou Catarina Martins. Mas para o primeiro-ministro não existe tal folga. Da maneira como vê as contas, não sobram 800 milhões, mas são menos 800 milhões a contar para o défice. E na verdade, defendeu Costa, a descida do défice de 1% no Orçamento do Estado para 0,7% no Programa de Estabilidade, que incomoda aos parceiros, é meramente “aritmética” e não põe em causa as medidas acordadas.

Catarina Martins não largou o tema que tinha preparado e que deu corpo ao projecto de resolução que o BE apresentou no Parlamento horas antes. Contudo, neste debate político, adicionou um picante ao guião: feitas as contas, com a ajuda à LoneStar, o défice deste ano deveria ser menor e o que os bloquistas não entendem é o porquê de “na fila dos investimentos a banca privada ter sempre prioridade em relação aos serviços públicos”.

Para a líder do BE, que foi a primeira da esquerda a marcar o tom que sairia daquele lado do plenário, António Costa levava preparada uma resposta – que aliás tinha enfatizado no seu discurso inicial: "Nenhuma das medidas que acordámos será sacrificada. Nós não alteramos os nossos objectivos. Não podemos deixar de fazer a actualização aritmética quando os dados da aritmética se alteram". E quando o argumento parecia não colher, o chefe do Governo rematou dizendo: “não negociámos um défice”, mas sim medidas e essas serão cumpridas.

Na aritmética das palavras, o PS ajudou ao argumento, mesmo que rebuscado. Para os socialistas, pela voz de João Paulo Correia, tendo em conta os dados do défice previstos nos anos de 2017 e 2018, o que está a acontecer até é um “abrandamento” da consolidação orçamental.

O certo é que nesta coligação as conversas que muitas vezes se fazem nos bastidores saltaram (um pouco) cá para fora. Heloísa Apolónia acabou por deixar transparecer os ciúmes pela facadinha na "geringonça" que o Governo deu ao assinar pouco tempo depois do debate o acordo sobre os fundos estruturais com o PSD de Rui Rio. "Foi uma saudade que lhe bateu ou da vontade de branquear a tragédia dos últimos anos?", questionou a deputada.

A resposta à deputada do PEV conteria toda a mensagem que o primeiro-ministro queria passar no debate: continua a ser pela esquerda e em linha recta traçada por Mário Centeno que quer ir, mas o “namoro” com o PSD serve para acautelar as curvas que possam no futuro aparecer no caminho. “Há matérias estruturais para o país como a reforma do Estado e a descentralização que requerem um acordo político o mais alargado possível, e outras que transcendem a legislatura, como os fundos comunitários”, respondeu.

Apesar de ter sido um dos temas em cima da mesa nestas últimas semanas, no debate sobre o aumento ou não dos salários dos funcionários públicos não entrou pela porta grande. Jerónimo de Sousa referiu-o, Heloísa Apolónia sugeriu-o e Catarina Martins deixou o aviso: o Bloco não quer “um orçamento antecipado nos jornais”, numa referência implícita às palavras do ministro da Finanças que, na apresentação do Programa de Estabilidade, deu a entender que não haveria aumentos.

Este será o prato quente da negociação do Orçamento do próximo ano e se é um osso duro de roer, Costa acredita que poderá ser mais fácil. Foi na resposta a Heloísa Apolónia que deixou uma declaração de amor aos acordos à esquerda e uma visão de que será mais fácil uma vez que “à quarta é muito mais fácil do que à primeira, já nos conhecemos melhor, já temos boas razões para confiar mais uns nos outros. Seguramente, o próximo orçamento vai ser mais fácil de negociar do que o deste ano”. Em Outubro se saberá.

Sugerir correcção
Ler 7 comentários