Injecção de anticorpos contra VIH protegeu macacos da infecção durante 20 semanas

Trabalho publicado na revista Nature Medicine reforça as bases para uma possível solução profiláctica para prevenir a infecção por VIH, enquanto se espera por uma vacina eficaz.

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Ilustração do vírus da sida Petrovas et al./Science Translational Medicine 2017

Uma equipa de investigadores dos EUA publica um artigo na revista Nature Medicine onde mostra como uma única injecção de anticorpos foi capaz de proteger macacos da infecção por VIH, permanecendo no seu organismo durante um período médio de 20 semanas. A descoberta pode contribuir para o desenvolvimento de uma estratégia de imunização profiláctica e temporária para prevenir a infecção pelo vírus em humanos. Ainda não é uma vacina, mas é o que se pode chamar de uma imunização passiva promissora.

“Como uma vacina eficaz contra o HIV-1 não está actualmente disponível nem iminente, novas abordagens são necessárias para prevenir a transmissão do HIV. Essas novas estratégias incluíram o uso de anticorpos amplamente neutralizantes [bNAb, na sigla em inglês] isolados de pessoas infectadas com elevada actividade neutralizante anti-HIV”, começam por referir os autores do artigo desta semana que relata mais um avanço na frente de investigação que se dedica às respostas imunitárias específicas para o VIH. A equipa de investigadores liderada por Malcolm Martin, do Laboratório de Microbiologia Molecular do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, demonstrou que uma única injecção de anticorpos contra VIH em macacos protegeu estes animais durante várias semanas depois de terem sido infectados com o vírus da imunodeficiência humana.

Segundo o artigo, na injecção foram usados dois tipos modificados de anticorpos contra VIH, que permaneceram na corrente sanguínea durante um período bastante superior ao verificado com anticorpos não modificados. Mais precisamente entre duas a quatro vezes mais tempo. Estes anticorpos são produzidos naturalmente pelo nosso organismo quando um indivíduo é infectado pelo vírus. São as “balas” disparadas pelo nosso sistema imunitário, moléculas que reconhecem e neutralizam o agente patogénico.

Actualmente, este tipo de abordagem com recurso a anticorpos está a ser testado clinicamente para controlar os níveis de carga viral em indivíduos infectados com VIH. O que os cientistas fizeram neste trabalho foi usar estas “munições” que somos capazes de produzir especificamente para este inimigo e administrá-las em animais que foram depois infectados com o vírus HIV. Ou seja, com o objectivo não de controlar ou tratar a doença mas de prevenir a infecção. Conseguiram. Pelo menos durante 20 semanas, o que consideram ser uma protecção de “longo prazo”.

Anticorpos vão diminuindo

A equipa de Malcolm Martin introduziu duas mutações que codificam as substituições de aminoácidos nos genes associados a estes anticorpos específicos de VIH e avaliaram a sua eficácia no bloqueio da infecção após repetidos testes de exposição à versão símia do vírus em macacos Rhesus (Macaca mulatta). Uma única infusão intravenosa de um dos anticorpos monoclonais “retardou marcadamente a aquisição do vírus por 18 a 37 semanas (mediana, 27 semanas)”, refere-se no artigo que adianta que o efeito protector do outro tipo modificado de anticorpos usado “foi mais modesto (forneceu protecção por 11-23 semanas; mediana 17 semanas)”. Constata-se assim que, num dos grupos (cada um constituído por seis macacos) houve animais que ficaram protegidos durante mais de nove meses.

Sobre a permanência destes anticorpos no organismo, os cientistas referem que foram diminuindo gradualmente até se tornarem indetectáveis, num caso entre as 26 e 41 semanas após injecção e no outro com uma “semivida mais curta”.

Para testar esta arma de defesa imunitária profiláctica contra diferentes estirpes de VIH, foi também usada uma combinação destes dois anticorpos, injectada em macacos. “Embora a mistura administrada contivesse uma quantidade de cada bNAb que era quase três vezes menor do que o anticorpo monoclonal único usado nas injecções intravenosas, a combinação dos [dois] anticorpos monoclonais ainda protegia os macacos por uma média de 20 semanas”, concluem.

“O resultado mais notável obtido neste estudo é o longo período de eficácia protectora conferido por uma única injecção de anticorpos neutralizantes anti-HIV-1 humanizados modificados”, concluem. Por fim, a equipa de investigadores insiste no mesmo argumento: “Na ausência de uma vacina eficaz contra o VIH ou do desenvolvimento de uma vacina num futuro próximo, não é descabido contemplar um uso semelhante de anticorpos monoclonais anti-HIV modificados.” Aliás, os cientistas lembram mesmo que “antes do desenvolvimento de uma vacina eficaz contra o vírus da hepatite A, a imunoprofilaxia pré-exposição através da administração de imunoglobulina [anticorpos] por via intramuscular era prática comum e conferia protecção por três a cinco meses”.

Porém, e considerando que estamos perante um resultado pré-clínico que pode vir a revelar-se importante para a prevenção do HIV-1, os autores do artigo sublinham que, para que sejam considerados clinicamente efectivo para imunoprofilaxia, estes anticorpos “devem ser capazes de prevenir a aquisição de populações geneticamente diversas do vírus”. Daí saltamos para o próximo passo da investigação que promete estender estes resultados obtidos com anticorpos modificados “aos seres humanos num ensaio clínico de fase 1” e que passará pela administração desta solução a grupos de indivíduos com e sem infecção por VIH.

O final feliz desta história seria, assim, chegar até à capacidade de induzir uma protecção duradoura contra a infecção pelo VIH com uma única injecção de anticorpos para uso profiláctico anual ou bianual pré-exposição. Assim, pelo menos, teríamos uma alternativa enquanto esperamos (há já 30 anos, note-se) pela descoberta de uma vacina capaz de desencadear a produção no nosso organismo de anticorpos suficientemente fortes e eficazes para derrotar este vírus que, com as suas constantes adaptações e mudanças, tem atrasado essa forma mais eficaz de prevenção.

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