Francisco George admite algumas falhas nas análises da legionella em Vila Franca de Xira

Dezenas de vítimas contestam arquivamento de casos relativamente aos quais os serviços hospitalares não terão feito (ou não conseguiram fazer) recolhas de amostras que permitissem identificar a estirpe da bactéria.

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As bactérias foram detectadas numa torre de refrigeração da ADP Fertilizantes Enric Vives-Rubio

Francisco George reconheceu esta terça-feira que pode ter havido algumas falhas na realização de análises epidemiológicas às vítimas do surto de legionella que atingiu o sul de Vila Franca de Xira em Novembro de 2014. Na abertura da sessão de apresentação do Perfil Municipal de Saúde, naquele concelho, o antigo director-geral da Saúde sublinhou que isso aconteceu porque os profissionais de saúde estavam concentrados na tarefa de cuidar das pessoas e não estavam a pensar na perspectiva da justiça.

Esta tem sido, no entanto, a principal questão colocada por muitas vítimas do surto de 2014 no âmbito do processo que está ainda no Ministério Público de Vila Franca de Xira. Apenas em 152 dos 403 casos de infecção com legionella foram feitas as recolhas de amostras respiratórias que poderiam permitir determinar a estirpe da bactéria contaminante. E nos restantes 251 casos não há, por isso, dados clínicos que permitam relacionar a contaminação com alguma das estirpes detectadas em empresas e outras estruturas da região. Assim sendo, estas vítimas não têm como demonstrar a origem das bactérias que as infectaram e como solicitar indemnizações e a condenação de eventuais responsáveis.

Perto de quatro dezenas requereram, por isso, a abertura de instrução do processo, reclamando mais diligências de investigação e o apuramento de responsabilidades na inexistência dessas análises epidemiológicas. Há também quem defenda que, perante sintomas de tal modo semelhantes, deverão ser englobadas pela acusação no mesmo contexto das 73 vítimas relativamente às quais o Ministério Público entende que há um nexo de causalidade e uma relação com as bactérias detectadas numa torre de refrigeração da ADP Fertilizantes.

Esta terça-feira, em Vila Franca de Xira, o presidente da câmara realçou e agradeceu a forma como Francisco George, então à frente da Direcção-Geral de Saúde (DGS), reagiu ao surto de 2014. “Jamais esquecerei a sua disponibilidade e colaboração em momentos por vezes muito dramáticos”, referiu Alberto Mesquita.

Já Francisco George, que participou no evento na qualidade de presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, garantiu que não fez mais do que cumprir a sua missão, sempre com a presença e colaboração das autoridades municipais. Mas o antigo responsável da DGS considera que este surto, que causou 14 vítimas mortais e é considerado como o terceiro mais grave de sempre em todo o Mundo, poderia ter sido evitado. “A situação vivida em Vila Franca de Xira era evitável se tivessem sido tomadas medidas preventivas ao nível, sabemos agora, da indústria. Há aqui duas dimensões, uma delas é a consequência de más práticas em indústrias, por motivações provavelmente de poupança em termos de manutenção”, sublinhou.

Francisco George referiu-se também às reclamações das vítimas e da associação que as representa. “Infelizmente não foi possível fazer os exames a todos por análise epidemiológica (permite determinar a estirpe contaminante com base na recolha de amostras respiratórias com expectoração ou secreções brônquicas). E não foi porque os profissionais não estavam a trabalhar a pensar na justiça, estavam a trabalhar a pensar na saúde das pessoas. Sei que foi criada uma associação que pretende repor em termos de legalidade aquilo que a justiça decidiu. Mas o nosso trabalho não foi feito a pensar em justiça, foi a pensar na eliminação do problema e isso conseguiu-se em pouco tempo”, vincou Francisco George, frisando que a forma como as autoridades reagiram no momento foi reconhecida em todo o Mundo. “Foi um exemplo de trabalho de controlo da situação, mas [o que caso] também é um exemplo das más práticas ambientais que levaram àquela situação”, rematou o antigo director-geral de saúde.

Dúvidas e contradições

Dezenas de vítimas contestaram as conclusões da acusação e o arquivamento de 328 casos – 251 por inexistência de amostras respiratórias e 77 em que a estirpe não foi identificada ou não seria a mesma detectada na ADP. Anabela Barata Gomes, advogada que representa a esposa e uma filha de uma das vítimas mortais (António Amador), apresentou uma acção contra o Estado português considerando que há várias omissões cuja responsabilidade deve ser-lhe imputada. A causídica estranha que o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge indique ter recebido 214 amostras clínicas e, depois, a acusação refira apenas 152. “Não queremos crer que tenham sido excluídas deliberadamente”, sustenta, requerendo a abertura de instrução “para que o tribunal oficie o instituto para vir apresentar aos autos os relatórios e resultados de todas as 214 amostras recebidas”.

O requerimento sublinha que António Amador não terá sido informado da necessidade de realizar mais exames para determinar a estirpe e solicita ao Estado português uma indemnização de 225 mil euros pelos danos causados à família. Também José Pires Gonçalves, que esteve 11 dias internado no Hospital Fernando Fonseca com sintomas de infecção pela bactéria da legionella não se conforma com o arquivamento da sua queixa judicial. “Se não foi junta amostra respiratória do ofendido enquanto esteve internado tal facto não lhe deve de modo algum ser imputado, é responsabilidade dos serviços médicos do referido hospital, que não logrou fazer praticar os actos médicos necessários e suficientes para determinar e complementar todo o diagnóstico da doença do ofendido”, defende.

De acordo com o MP, o instituto terá recebido apenas 152 amostras respiratórias e nestas apenas 77 permitiram caracterizar a estirpe contaminante. Nas restantes, os “interferentes” – medicamentos ou outros - terão impossibilitado o crescimento e identificação da estirpe da bactéria da legionella.

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