Caro Rui Rio: não me empurre para os braços do PS

O PSD, sem nunca se rir, decidiu criticar o actual governo pelo excesso de austeridade e pelos maus-tratos à função pública.

Rui Rio decidiu discursar no final do 25.º Congresso da JSD. Disse duas ou três coisas acertadas, que assino por baixo: a necessidade de conhecer os grandes devedores da Caixa Geral de Depósitos e do Novo Banco, as vantagens de uma descida do IRC, a disponibilidade para acordos de regime em áreas fundamentais. Mas depois disse uma coisa de tal modo estapafúrdia que, a tornar-se na linha oficial do PSD, mais parece ser uma conspiração para me obrigar a votar em António Costa nas próximas eleições: Rio criticou a falta de aumentos na função pública, sugerindo uma subida de 1,4 ou 1,5% para compensar a inflação, e acusando o actual governo de não ter 300 milhões de euros para aumentar os funcionários públicos, quando arranjou oito mil milhões para a CGD e para o Novo Banco.

Uma pessoa ouve e não acredita – tivesse Rui Rio declarado que havia vida para além do défice e estaria certamente a receber hoje na sua caixa de correio um convite para a próxima Festa do Avante. Reparem: o PSD, sem nunca se rir, decidiu criticar o actual governo pelo excesso de austeridade e pelos maus-tratos à função pública. Por causa das cativações? Não. Por causa do Hospital de São João? Não. Por causa da falta de dinheiro para aumentar os salários dos funcionários públicos. Isto é absolutamente extraordinário.

É extraordinário, desde logo, porque Rui Rio é suposto perceber de economia e não confundir aumentos anuais com medidas pontuais. Os 300 milhões não comparam com os oito mil milhões, por mais escandaloso que seja este número. Os 300 milhões são pagos em 2018, em 2019, em 2020, e por aí fora, porque os salários da função pública, segundo o Tribunal Constitucional, não podem descer. Daí o cuidado que é necessário ter com quaisquer aumentos, ainda que percentualmente modestos, dos trabalhadores do Estado – eles ficam a pesar nas contas durante décadas.

Mas esta proposta de Rui Rio é extraordinária, sobretudo, porque põe o PSD a fazer oposição a Mário Centeno pela esquerda, oferecendo-lhe numa bandeja os valores do rigor nas contas públicas e da responsabilidade financeira, precisamente aquilo que deu a vitória a Passos nas eleições de 2015. Eu tenho a certeza de que os funcionários públicos vão ser marginalmente aumentados em 2019, para que António Costa possa satisfazer os seus parceiros e deixar a função pública feliz em ano de eleições. Mas espanta-me muito que Rui Rio faça disso uma das suas prioridades, e que Fernando Negrão tenha admitido em entrevista à Antena 1 a possibilidade de acompanhar os partidos de esquerda na defesa de maiores vencimentos. Talvez mesmo à revelia do PS – que divertido seria. Mais: Silva Peneda, agora um dos ministros-sombra de Rio, defendeu no programa “Conversa Capital” que deixar cair o défice abaixo dos 1,1% é um erro. Já se sabia que parte do PS podia estar no Bloco de Esquerda. Pelos vistos, parte do PSD também.

Será que a defesa de um superavit que possa finalmente baixar a dívida do país em termos nominais passou a ser um objectivo do Partido Socialista, mas não do PSD? Se assim for, acabo de descobrir que o meu lugar é ao lado de Mário Centeno. A questão não é de racionalidade económica, onde se pode discutir se umas décimas a mais ou a menos prejudicam a economia, mas sim de simbologia política – coisa que António Costa já percebeu há muito, mas que Rui Rio, coitado, ainda está para perceber. Desde Santana Lopes que eu não via alguém esforçar-se tanto para perder eleições.

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