Não será desta que os deputados passam a ter regime de exclusividade

Bloco propõe que as funções de deputado não possam ser acumuladas com outras, à excepção da docência, investigação e criação artística. Mas só o PCP votará a favor, ao lado do BE.

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Enric Vives-Rubio

A proposta do Bloco de Esquerda para que as funções de deputado passem a ser exercidas em regime de exclusividade - com as excepções das actividades de docência, investigação e de criação artística e literária - vai ficar pelo caminho. Na discussão sobre as propostas para o regime jurídico de transparência dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos feita nesta terça-feira à tarde, na comissão parlamentar da transparência, apenas o PCP apoiou a ideia dos bloquistas. PSD, PS e CDS mostraram-se contra.

Durante mais de duas horas, os deputados trocaram argumentos sobre um único artigo da futura lei, que abrange o regime da exclusividade. O líder parlamentar do BE argumentou que se deve alargar o estatuto da exclusividade aos deputados, gestores públicos e eleitos em órgãos municipais que exerçam funções executivas a tempo inteiro (presidentes de câmara e vereadores).

"A proposta parte do pressuposto do pilar fundamental da separação dos interesses públicos e privados. Muitas vezes há uma suspeição criada sobre decisões públicas que advém de uma relação pouco clara de quem exerce um cargo público e ao mesmo tempo um cargo privado", defendeu Pedro Filipe Soares. O bloquista recusou que a exclusividade e a alegada subjugação do deputado a lógicas partidárias lhe retire liberdade de decisão e de voto, retorquindo que a "falta de exclusividade é que tem retirado transparência" ao exercício da função.

A proposta do PSD - o único partido além do BE que apresentou proposta sobre este assunto - prevê que o regime de exclusividade se aplique apenas a quem exerce funções executivas, deixando de lado as funções legislativas da Assembleia da República, tal como acontece "na maior parte dos parlamentos" na Europa, alegou a social-democrata Sara Madruga da Costa.

Luís Marques Guedes, que preside à comissão da transparência, recusou que "a lei deva servir para afastar suspeições" e defendeu que o deputado deve "manter a ligação à sociedade civil e não é obrigatório se essa ligação é profissional ou não".

O comunista Jorge Machado lembrou que a questão da exclusividade será debatida novamente quando a comissão abordar o Estatuto dos Deputados, mas disse que o PCP é a favor da proposta do Bloco. "Não optando por uma exclusividade definitiva, faz sentido manter algumas excepções", como é o caso do ensino. Sabendo-se que nem os socialistas nem a direita concordam com a exclusividade, o PCP quer concentrar-se em "apertar a malha" às incompatibilidades e impedimentos de que os deputados devem ser alvo. Lembrou, por exemplo, o facto de os deputados não poderem "vender uma resma de papel ao Estado", mas poderem trabalhar para grandes escritórios de advogados que têm negócios com o Estado. Porque esses impedimentos não se aplicam às sociedades profissionais como as empresas de advogados que não têm natureza comercial. "Esse offshore da aplicação do estatuto [dos deputados] é que é inaceitável."

A centrista Vânia Dias da Silva contestou a consagração da exclusividade, defendendo a existência da "possibilidade de escolha e o direito dos deputados a essa liberdade" e alegando que já existem limites para a actuação dos parlamentares. "A exclusividade não faz sentido, porque pode implicar a profissionalização e deixa o deputado limitado na sua actividade e alheado da realidade, sem poder escolher entrar ou sair da profissão no exterior [do Parlamento]."

A deputada vincou que o caminho é a aplicação de "regras escrutináveis que devem ser fiscalizadas".

O PS prefere concentrar-se em "aperfeiçoar a origem das incompatibilidades e impedimentos para tornar evidente quais são as funções em que possa haver conflito, por virtual que seja", alegou o deputado Jorge Lacão que realçou que a proposta do Bloco permite que um deputado possa receber o salário enquanto tal e também como professor. O deputado socialista defendeu que vale a pena ponderar se não fará sentido "valorizar as condições de exercício do mandato" dos deputados que optem pelo regime de permanência exclusiva no Parlamento em relação aos que não exercem as funções em exclusividade ou até mesmo criar essa exigência de exclusividade para algumas funções exercidas no Parlamento, como o cargo de vice-presidente (como é o caso do próprio Lacão) ou de presidente das comissões.

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