Equilibrar défice com preocupações sociais é "prova de maturidade democrática”

Presidente não conseguiu fugir a comentar actualidade nacional, na visita a Espanha. “Debater que Europa queremos é urgente”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, numa universidade de Madrid. “Temos nove meses, no máximo - um tempo curto, mas uma oportunidade irrepetível”, defende.

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Marcelo Rebelo de Sousa com o reitor da Universidade Carlos III, Juan Romo Tiago Petinga/Lusa
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As perguntas foram muitas e a "aula do professor Marcelo" durou mais 20 minutos do que o previsto Tiago Petinga/Lusa
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As perguntas foram muitas e a "aula do professor Marcelo" durou mais 20 minutos do que o previsto Tiago Petinga/Lusa

Nem os alunos nem o professor queriam deixar a aula acabar. “A última pergunta”, pediu Marcelo Rebelo de Sousa. “Não, a última era esta”, retorquiu um responsável do protocolo. Minutos antes, o Presidente português insistira: “Não temos taliban aqui”. Já se sabe que um professor nunca deixa de o ser: “Adoro isto, mais uma pergunta. Não gosto é do protocolo”, foi pedindo, até deixar a Universidade Carlos III de Madrid mais de 20 minutos depois do previsto.

Laura não só inaugurou a sessão de perguntas como ficou ao lado do chefe de Estado na fotografia de grupo com os alunos. “Ele disse-me ‘que boa pergunta’”, contou depois ao PÚBLICO a jovem de 33 anos, orgulhosa com o sucesso da conferência que ajudou a organizar, enquanto membro do grupo de ex-alunos do Mestrado em Assessoria Jurídica de Empresas.

Foi assim que Laura tomou a palavra: “Portugal é o último bastião da social-democracia na Europa ou continua com políticas de austeridade sob a capa de um governo de esquerdas?”. E foi assim que Marcelo, que recusara comentar a actualidade portuguesa à chegada a Madrid, lá acabou por fazer a sua avaliação ao Plano de Estabilidade do Governo de António Costa, “um optimista radical”, lembrou (arrancando gargalhadas), por oposição a si próprio, “um optimista realista”.

“Não há milagres em economia. Há realidades e há muito trabalho. Há causas exteriores, a situação económica europeia e mundial, o crescimento europeu, mas também há o trabalho de dois governos. E o trabalho deste Governo, com a redução do défice e da dívida pública, criando condições para investir no crescimento, no emprego e na justiça social”, descreveu o Presidente. Depois, elogiou “os portugueses que, com o seu sacrifício, criaram as condições para esta evolução”.

Exemplo de democracia

A situação actual portuguesa “é um exemplo de democracia”, continuou. “Há um Governo minoritário, com acordo parlamentar maioritário e duas oposições fortes, mas há uma preocupação em equilibrar o que é necessário para reduzir o défice com a justiça social”, descreveu. “É um equilíbrio difícil, há quem diga que há demasiada redução do défice e há os que dizem que há demasiada preocupação social. O equilíbrio nesta situação é uma prova de imensa maturidade democrática”, defendeu.

Assim se prova que “é possível ter diferentes vias na Europa”. A que Portugal experimenta neste momento teve, “até agora, bons resultados, muito bons resultados.” Neste contexto e noutros temas, como a política de imigração, “Portugal é um exemplo”, defendeu ainda Marcelo. “Mas isso não basta, é preciso que a Europa o seja também”.

E é a Europa no seu conjunto que mais preocupa o Presidente português. “Debater que Europa queremos é essencial, é urgente”, afirmou. “Temos seis meses, nove meses no máximo, para fazer essa discussão, antes do início de várias campanhas eleitorais”, como a das eleições europeias, na Primavera do próximo ano. “É um tempo muito curto mas é uma oportunidade única e irrepetível”.

Uma questão de princípio

As diferentes europas estão à vista quando olhamos para as posições distintas dos líderes da União Europeia sobre imigração e acolhimento de refugiados. Sublinhando que esta é, acima de tudo, “uma questão de princípio”, Marcelo lembrou que a Europa “é um continente velho, que ganha com a imigração”. Em Portugal, afirmou, “da direita à esquerda, e não há extrema-direita nem extrema-esquerda no país, só uma esquerda mais ambiciosa, todos aceitam este princípio”.

“Portugal fá-lo sozinho, mas falta uma política comum europeia, não é possível que alguns países se recusem a respeitar quotas previamente decididas, a fechar as suas portas”. Se continuarmos a permitir que existam europas de muros e valas, “acabaremos a negar a própria ideia de Europa e de democracia na Europa”.

E sem o tal debate urgente e profundo, sustentou Marcelo, “haverá múltiplas europas: uma democrática; outra populista, xenófoba, musculada, fechada, muito pouco democrática”. Esta escolha é muito importante para a sua geração, afirmou, mas mais ainda para a dos alunos e ex-alunos que o escutavam. “Os políticos são vocês todos.”

Os jovens ouviram, gostaram, tiraram notas, aplaudiram. E mal couberam numa sala apinhada de uma três universidades de Madrid onde funcionam centros de estudo de Português – para além da Autónoma, onde o Instituto Camões gere um centro de língua. A Carlos III é também uma das universidades da capital espanhola e nomeou José Saramago doctor honoris causa. A recordar isso mesmo, na fachada principal, há um rosto do Nobel da Literatura da autoria de Vhils.

Laura só teve pena de não haver mais tempo. “Tínhamos tantas perguntas preparadas”. Mas como os outros alunos e professores também ela percebeu que o Presidente teria preferido ficar ali, à conversa, em vez de sair, apressado. À sua espera tinha os reis de Espanha e o jantar de gala que estes ofereceram em sua honra no mesmo Palácio Real onde o tinham recebido pela manhã, no arranque de uma visita oficial que se prolonga até quarta-feira.

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